Número total de visualizações de páginas

sábado, 21 de fevereiro de 2015

FICA (romance)

Srs. Deputados do governo e oposição de faz-de-conta (já nem me dirijo aos outros acima na hierarquia porque não são de cá, da Terra, humanos, são uma espécie de alienígenas com tiques de pactos de agressividade), a redução do défice e o término da espiral recessiva (que os cidadãos não vivenciam), os vangloriosos resultados a que afirmais a boca cheia terdes chegado ( e que os cidadãos não sentem) são à custa de cortes unilaterais e arbitrários nos rendimentos do trabalho ( ...de agora e de outrora), são à custa do roubo diário da dignidade das famílias ( da felicidade das famílias), da possibilidade de honrarem os seus compromissos, a sua palavra, o seu fio condutor ( perdemos o Norte, sabeis disso?), são à custa de cada vez mais sem-abrigo, de cada vez mais negligência nos cuidados de saúde, na assistência à terceira-idade, são à custa do holocausto do desemprego, da fuga apocalíptica de muitos (aos milhares) da sua nação (uma que sentem como estranguladora, exploratória, implacável no desrespeito pela dignidade humana, gratuita nas injustiças, em pleno corredor da morte quanto à quebra do voto de confiança e dos alicerces da democracia – a tentar perceber como vai acontecer, injecção letal?), são à custa do contínuo assalto fiscal, das desculpas esfarrapadas burocráticas para comer um pouco mais da fome de quem já nada tem (e tudo serve, até um recibo que alguém esqueceu de guardar – vamos lá ver se o barro cola à parede…), são à custa da machadada certeira nas pernas curtas de muitos trabalhadores independentes ( que ilusão, meu Deus!) que, pese embora a honestidade de o declararem que o são ( nem sempre é assim – e esses têm mais sorte), trabalhadores necessitados de actividade lateral prioritária independente para sobrevivência ao flagelo da ditadura mascarada de democracia, são barbaramente bombardeados com mais assalto aos parcos rendimentos de circunstância que auferem ( “era para tapar aquele buraco, mas, meu amigo, cavei um mais fundo ainda”, dirão agora, com a corda ao pescoço).
Srs. Deputados do governo e oposição de faz-de-conta (não quero crer que também sois daquela espécie alienígena, sem pingo de humanidade, só focada em pactos de agressividade), devo informá-los que esta é uma nação governada por elites vergonhosas, invejosas e temerárias, que encontram nas leis, lapidadas a dedo cirúrgico, a sabedoria e a manha necessárias à decapitação de qualquer tipo de prosperidade, seja a independente, seja a inteligente, seja a crente. Vão sacanear outros!
Dedos erguidos, dedos bem erguidos, bem tesos para arremessar no papel toda a fúria reflexiva, instintiva e combativa.


Conceição Sousa in "FICA" (romance)