Às vezes, os sustos voltam, só para redefinirem prioridades. Este voltou e já foi. Alívio. A vida é bela. Tudo o resto é acessório e assaz de importante na sua insignificância. Há que saber sentir o tempo: com o corpo que é teu, a alma que te confidencia, o afecto de quem te presta atenção e a natureza dos dias e das noites que ama a tua natureza sem que o saibas. Consegues sentir? A grande paz? Sê feliz, nessa comunhão que te pertence e à qual te entregas. A maldade só te consome se tu lhe deres guarida e conversares intimamente com ela. Se a não deixares entrar, ela não se instala. Se insistir em segurar-te o braço e caminhar contigo, sorri-lhe e devolve em dobro todo o teu paciente amor. Olha que podes! Podes mesmo! Só tens de te focar no corpo que é teu, na alma que te confidencia, no afecto de quem te presta atenção e na natureza dos dias e das noites que ama a tua natureza sem que o saibas. Todos os teus sentidos andam distraídos. Se parares um pouco, fechares os olhos, escutares com redobrada atenção, uma subtil aragem eriçará a tua penugem e tu perceberás o calor da energia universal a amar-te. O arrepio é quando tu sentes e devolves todo o amor que te dão. E uns pingos de chuva, uma brisa a maresia ou até uma simples música podem desencadear essa partilha energética. Quem precisa da mesquinhez dos Homens?
Conceição Sousa
Para quem respira... nem que seja um pequeno sopro. Eu ainda respiro logo sonho... Ainda que doa ao doer, doa mais ao doar: doa-te.
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quarta-feira, 1 de julho de 2015
sexta-feira, 10 de abril de 2015
Quero escapar à frieza
Quero escapar à frieza. O hábito entranha-se na alma como a humidade se agarra à esponja. O âmago enche-se de um líquido espesso e cresce ao ponto de uma saturação gelada. O familiar passa fome e tu comes da fome que te olha. O amigo sente frio e tu sentes do frio que te cerca. O vizinho perde a cor para a doença e tu perdes a dignidade quando olhas para o lado. O desempregado verte as lágrimas e tu vertes a ostentação de cada vez que te cruzas com ele no elevador quando vais... trabalhar. Entras na frutaria e alguém sofre por te ver entrar na frutaria e por saber que não pode comprar uma peça de fruta. Entras no hospital e alguém sofre por te ver entrar no hospital quando sabe que não pode amenizar a dor da sua doença porque não consegue pagar a taxa moderadora. Entras no teu emprego e alguém sofre por te ver entrar no teu emprego porque precisaria de ter um emprego , um modo de subsistência, e não há forma de o conseguir.
Quero escapar à frieza, sentir nos afectos que vêm de longe a infância de um toque de humanidade. Quero espremer o meu coração e vê-lo derramar a humidade ingénua de quem não se esquece da origem e do comum. Somos sangue, todos sangue, todos rubro, todos com as mesmas necessidades básicas, o mesmo fôlego, o mesmo ímpeto, o mesmo calor, a mesma fome, a mesma sede, a mesma carência no encalço de um amparo, um simples conforto: uma palavra. ( um silêncio.)
Quero manter-me humana. Quero ser digna de ter nascido humana. Quero ser digna de um dia morrer com este dever de humanidade cumprido. (Reg.)
Conceição Sousa
Quero escapar à frieza, sentir nos afectos que vêm de longe a infância de um toque de humanidade. Quero espremer o meu coração e vê-lo derramar a humidade ingénua de quem não se esquece da origem e do comum. Somos sangue, todos sangue, todos rubro, todos com as mesmas necessidades básicas, o mesmo fôlego, o mesmo ímpeto, o mesmo calor, a mesma fome, a mesma sede, a mesma carência no encalço de um amparo, um simples conforto: uma palavra. ( um silêncio.)
Quero manter-me humana. Quero ser digna de ter nascido humana. Quero ser digna de um dia morrer com este dever de humanidade cumprido. (Reg.)
Conceição Sousa
domingo, 22 de março de 2015
Não és assim tão importante.
Não és assim tão importante... penso que já percebeste isso, não? Importante sou eu. Mas, admito, gosto deste sossego que me prende a ti, desta vontade de te sentir como quem agradece o alvorecer, ou abre os poros à fragrância vespertina, ou degusta o beijo fresco da madrugada no orvalho que nos ressuscita a pele. Não és assim tão importante, apenas na medida em que o é um habitat natural. Contigo, respiro. Contigo, sorrio. Contigo, amo. Contigo, vivo... mas sem ti, sem ter noção de que é sempre contigo, mesmo pensando que sem ti. E não é assim com o sol, o vento, a lua,os órgãos internos, os ossos? E não é assim com as árvores, a água, a temperatura amena, os órgãos externos, a pele? E não é sempre assim, sem ter noção de que é sempre contigo,mesmo pensando que sem ti? Porque o que nos consubstancia, desde o ventre - o sangue! -, não abre as vísceras todos os dias para nos mostrar do que somos feitos, mas está sempre lá, é do que somos feitos e nem por isso lhe damos o visceral valor. Esquecemo-nos. Esquecemo-nos de que nada é garantido. E basta que um ínfimo nada falte para que tudo desabe. E tu és apenas um ínfimo nada que não pode, de maneira alguma, faltar,ouviste? Não podes - estás proíbido de -, faltar-me. Mas não és assim tão importante...
sábado, 21 de fevereiro de 2015
FICA (romance)
Srs. Deputados do governo e oposição de faz-de-conta (já nem me dirijo aos outros acima na hierarquia porque não são de cá, da Terra, humanos, são uma espécie de alienígenas com tiques de pactos de agressividade), a redução do défice e o término da espiral recessiva (que os cidadãos não vivenciam), os vangloriosos resultados a que afirmais a boca cheia terdes chegado ( e que os cidadãos não sentem) são à custa de cortes unilaterais e arbitrários nos rendimentos do trabalho ( ...de agora e de outrora), são à custa do roubo diário da dignidade das famílias ( da felicidade das famílias), da possibilidade de honrarem os seus compromissos, a sua palavra, o seu fio condutor ( perdemos o Norte, sabeis disso?), são à custa de cada vez mais sem-abrigo, de cada vez mais negligência nos cuidados de saúde, na assistência à terceira-idade, são à custa do holocausto do desemprego, da fuga apocalíptica de muitos (aos milhares) da sua nação (uma que sentem como estranguladora, exploratória, implacável no desrespeito pela dignidade humana, gratuita nas injustiças, em pleno corredor da morte quanto à quebra do voto de confiança e dos alicerces da democracia – a tentar perceber como vai acontecer, injecção letal?), são à custa do contínuo assalto fiscal, das desculpas esfarrapadas burocráticas para comer um pouco mais da fome de quem já nada tem (e tudo serve, até um recibo que alguém esqueceu de guardar – vamos lá ver se o barro cola à parede…), são à custa da machadada certeira nas pernas curtas de muitos trabalhadores independentes ( que ilusão, meu Deus!) que, pese embora a honestidade de o declararem que o são ( nem sempre é assim – e esses têm mais sorte), trabalhadores necessitados de actividade lateral prioritária independente para sobrevivência ao flagelo da ditadura mascarada de democracia, são barbaramente bombardeados com mais assalto aos parcos rendimentos de circunstância que auferem ( “era para tapar aquele buraco, mas, meu amigo, cavei um mais fundo ainda”, dirão agora, com a corda ao pescoço).
Srs. Deputados do governo e oposição de faz-de-conta (não quero crer que também sois daquela espécie alienígena, sem pingo de humanidade, só focada em pactos de agressividade), devo informá-los que esta é uma nação governada por elites vergonhosas, invejosas e temerárias, que encontram nas leis, lapidadas a dedo cirúrgico, a sabedoria e a manha necessárias à decapitação de qualquer tipo de prosperidade, seja a independente, seja a inteligente, seja a crente. Vão sacanear outros!
Dedos erguidos, dedos bem erguidos, bem tesos para arremessar no papel toda a fúria reflexiva, instintiva e combativa.
Srs. Deputados do governo e oposição de faz-de-conta (não quero crer que também sois daquela espécie alienígena, sem pingo de humanidade, só focada em pactos de agressividade), devo informá-los que esta é uma nação governada por elites vergonhosas, invejosas e temerárias, que encontram nas leis, lapidadas a dedo cirúrgico, a sabedoria e a manha necessárias à decapitação de qualquer tipo de prosperidade, seja a independente, seja a inteligente, seja a crente. Vão sacanear outros!
Dedos erguidos, dedos bem erguidos, bem tesos para arremessar no papel toda a fúria reflexiva, instintiva e combativa.
Conceição Sousa in "FICA" (romance)
quinta-feira, 31 de julho de 2014
Frincha
- Nem sequer uma frincha para que pudesses sentir-me brisa, e ao teu tremor o lamento da vaga que não volta. Ser-te-ei assim tão desinteressante?
- (...)
- É sozinha que falo, a mesma da infância, e, às vezes, penso... embora percorra infinidades, e não consiga parar de percorrer infinidades, é no mesmo lugar que estou. Algo não soa. És tão distante... Queres a verdade? Mesmo a verdade? Distante ...é um adjetivo que inventei para te sentir um beijo que voa. Na verdade, és... eu ,a tapar um vazio.
- (Estás completamente só.)
- Obrigada por me lembrares. E tu és cruel. P'ra que me dizes se sabes que me faz chorar? Choras comigo, é? Até era... Deixa-me estar.
- (...)
- É sozinha que falo, a mesma da infância, e, às vezes, penso... embora percorra infinidades, e não consiga parar de percorrer infinidades, é no mesmo lugar que estou. Algo não soa. És tão distante... Queres a verdade? Mesmo a verdade? Distante ...é um adjetivo que inventei para te sentir um beijo que voa. Na verdade, és... eu ,a tapar um vazio.
- (Estás completamente só.)
- Obrigada por me lembrares. E tu és cruel. P'ra que me dizes se sabes que me faz chorar? Choras comigo, é? Até era... Deixa-me estar.
Conceição Sousa
terça-feira, 10 de junho de 2014
15* Um cão, um gato talvez?
15*
Um cão, gato talvez?
Não deveria ter nascido pessoa, deveria ter nascido animal doméstico, um
cão, um gato talvez, tenho este ímpeto de acarinhar, de estender a pata para te
afagar o rosto, para te sentir bem-vindo, e olho... olho um olhar infinito de
ternura, um olhar resiliente, precisado da tua voz, do teu sorriso, da tua
incomensurável atenção.
Não deveria ter nascido pessoa, um animal doméstico, sim, um cão, um gato
talvez, uma alma, igual a tantas outras, enclausurada num pedaço de carne que
queima, um infindável pedido de auxílio, um não pestanejar hirto a abraçar o
seu dono, a aguardar ininterruptamente o instante do calor, um cão, um gato
talvez, só porque nunca falo, só porque nunca verbalizo, só porque nunca digo
com as palavras - p'ra que preciso delas? -, só porque não me querem as pessoas
como eu quero que elas me queiram. Sou orelhas pontiagudas e olhar resiliente:
observo e aguardo - p'ra que preciso das palavras?
Um cão, um gato talvez, e muda de verbo talvez o mundo me quisesse, ou
acabasse comigo de vez.
A crueldade é ser pessoa, quando me sinto alma enclausurada no interior de
um animal doméstico, um que fala demais, e que tudo o que deseja é que lhe consintam
o instante de um afagar de rosto e de um cafuné.
E porque sou pessoa as pessoas complicam tanto...
Conceição Sousa
Acordo
Acordo sempre bem para o dia. As cores da manhã celebram-me partilha de um ser maior, natureza dentro e em redor, todo não parte. Oro ao âmago de mim, de nós, envolvência do instante puro, só pelo instante infinito: este pincel de aurora, este aroma a chilrear, esta brisa amena e um ímpeto de eriçar. Partilha. E o amor que amo nos olhos que me são calor de ventre, e o amor que amo nos braços dos homens que me protegem de mim, e a família de que não abdico e que me leva ao colo no embalo do que lhes sou. E a fé que me encontrou e me sossega as dores na certeza de que também a morte é partilha: o nascimento de um novo ciclo neste infinito que faz questão de me mostrar :
não há um que na vida ou na passagem a uma outra vida esteja só.
A dor é para que reconheças o amor. Nem uma nem outro se explicam, mas existem, transformam.
Por que não confias no tanto que não vês, em nós?
Amo-nos. Ama-nos.
Há. É. Sente.
não há um que na vida ou na passagem a uma outra vida esteja só.
A dor é para que reconheças o amor. Nem uma nem outro se explicam, mas existem, transformam.
Por que não confias no tanto que não vês, em nós?
Amo-nos. Ama-nos.
Há. É. Sente.
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