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quarta-feira, 2 de maio de 2012


Sinopse:
E se, de repente, numa manhã, acordar e constatar que há outro ser igual a si, ali, mesmo ao seu lado? Um ser que lhe fala e o pressiona a agir de forma contrária a si mesmo. E se os outros lhe perguntarem, constantemente, com quem fala? E se a comunidade médica chamar a essa sua realidade doença? E se o seu caso for estudado e a sua condição passar a ser considerada, pela Ciência, não uma doença , mas sim um dom, clarividência? E se a sociedade olhar para si como uma prova de que é possível que haja algo mais do que apenas aquilo que o comum dos mortais vê? E se perceber que tem um contacto privilegiado com o que não é, mas se intui; com o que deixou de ser, mas existe; com o que ainda está por vir, e se pressente; com o que já foi, mas é possível lá voltar; com o que está, esteve e estará, simultaneamente, a ocorrer, a um mesmo tempo e espaço, em outras dimensões da realidade, dentro da própria realidade? E se perceber que tem um contacto privilegiado com o Criador? Que este, de alguma forma, lhe envia sinais, aparentemente aleatórios (e toda a vida lhos enviou – como a todo o ser existente),e que a sua bagagem existencial lhe permite, agora, começar a decifrar? E se neste livro encontrar evidências inequívocas, sinais óbvios, de que o Além afinal está Aquém, de que a morte talvez não seja o fim, de que a vida não é um mero acaso aleatório, e de que a resposta a todas as nossas perguntas esbarra-se , a toda a hora e momento, no nosso sentir profundo?
E se, de repente, após a descoberta do óbvio, houver uma corrida mundial desenfreada à condição de ser aquilo que o seu íntimo é? E se esse facto impulsionar o início de uma nova era?
Um romance que é, também, uma crítica social mordaz aos tempos que correm – e intemporal na observação do sacrificar do trabalho e da carne humanos perante o idolatrar do capital deificado.
Uma arrebatadora e desconcertante história de amor, sem tabus. Porque ninguém, por muito que tente, consegue trair o que verdadeiramente sente. Um diálogo permanente do eu consigo próprio, a tentação do pacto com o divino: Deus ou Mefistófeles? Permite-lhe descobrir que o sonho, quando exaustivamente explorado, é o transporte para outros caminhos, onde se toca com outros “eus” presentes no seu próprio eu – aquele que conhece e passa a desconhecer.
Agora compete-lhe decidir se entrará nesta viagem. Um aviso: uma frase lida, uma palavra sentida, um passo adiante no texto, causará em si uma travessia sem retorno ao outro lado de si: o que esconde, o que dói, o que o questiona, o que o arrasta lá bem para o fundo, mas o faz avançar na direcção do mundo a que tem direito. Uma pacificação entre todos os seus “eus”. Ou não…
Um romance em que qualquer semelhança com a realidade, sentida por si, é a mais pura das verdades. Sente-se. Preparado para conhecer quem, de facto, é? Folheie-se, escave-se e rasgue-se. Encontre-se.
Não adie mais, está na hora: abra-me.


(2 semanas antes)

-É melhor vires ao quarto. Quero falar contigo.
Ele nem sequer a olhou. Previra que aquilo estaria para acontecer. Já há quatro semanas que ela não o deixava tocar em parte alguma do corpo. Ele bem que tentava. Ela encostava-se o mais possível na berma da cama, quase caía até. Irónico…sentia-se vestir, agora, na berma da cama, a pele daquilo que ele sempre foi. Estaria ele com frio? Com o mesmo frio enregelado que, durante anos, ela sentiu? Estaria ele necessitado do abraço que raramente lhe deu por dentro dos lençóis, embora partilhassem a mesma cama há mais de uma década? E à mesma pergunta, sempre a mesma resposta, mas agora em vozes invertidas:
- Que tens?
- Deixa-me estar.
Ele seguiu-a até ao quarto. Os miúdos na sala, entretidos. Um Domingo. Supostamente um alegre dia passado em família. Ele seguiu-a, cabisbaixo. Já sabia que tinha chegado o derradeiro segundo. Sabia que era o fim. No percurso, recordou tudo desde o início. O encontro casual no café, a dança sedutora na discoteca, o altar, o nascimento dos dois filhos. As queixas dela. As constantes queixas dela:
- Porque quando sais nunca me dás um beijo. Porque, aparte as parcas noites em que queres saciar a tua vontade de sexo, nunca me dás mimo. Encostas-te sempre o mais p’ra lá. Porque a minha vida é um vazio autêntico. Um vazio ensurdecedor: ensurdece até a dor! Porque há meses que não me mandas uma mensagem, há meses que não dizes que me amas. Porque estou sempre sozinha. Estou só, meu amor. Sinto frio, muito frio. Tremo…de medo também. Temo. Temo-nos?
E os avisos. Lembrou-se repentinamente dos avisos:
- Por ora, é hora de sofrer. Um dia chegará a minha hora. Nesse dia, eu vou saber. Ora!
E chegou o dia. Ele sentiu a lança golpeá-lo no peito. Chegou a hora. Porque é que nunca a ouvi? Perdi-a. Ainda nem falou, mas já sei que a perdi. Soam-me na cabeça as palavras daquele poema dela colado na porta do frigorífico: “E o amor, em que te descobri, só o encontrei no dia em que te perdi. Agora sim, agora sei que só em nós nos somos.” Percebi, agora mesmo, que comecei a amar-te. Decidi, agora mesmo, que não vou desistir de ti. Só não sei se ainda venho a tempo.
- Fecha a porta. Quero falar contigo.
Lentamente, de olhos ainda no chão, fechei a porta.
- Senta.
Sentei.
- Acabou, Francisco. Acabou. Não consigo viver mais uma vida de faz de conta. Sempre soube quem tu és. Ensinaram-me a fingir quem estou. E, por vezes, no silêncio que te dou, não imaginas o ruído que, cá dentro, sou. Tenho estado toda a minha vida sozinha. Mesmo no casamento, e com filhos, é sozinha que tenho estado. E sabes que mais? Sozinha é que estou bem. Quero estar só. Na verdade, apaixonei-me perdidamente por ele. Aquele que tu sabes. Não há volta a dar. Não há condições para continuar. Nem sei sequer se ele me quer, mas não importa. Sei bem o que quero. E o que quero é paz, tranquilidade, estar sozinha – nem que passe o resto dos meus dias só. É isso que quero.
Tirei a aliança, coloquei-a na mão dela. Doía. Doía muito. Já tinha reparado, na cozinha, quando ela pousou o leite e a manteiga na mesa, na marca branca e funda no dedo dela. Aí, eu soube. Aí, eu tive a certeza. Segurei-me p’ra não me desfazer em lágrimas na frente dela. Odeio-a. Ainda tive forças para dizer.

- És tu que vais contar aos meninos!