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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Eu amo o meu bichinho, como costumo chamá-lo. Aquele animal incapaz de magoar um insecto, incapaz de ferir uma flor, incapaz de pesar numa pedra. Eu amo o meu bichinho, como costumo, sem que o saiba, chamá-lo. Aquele andante de quatro, com alma de fragrância anis e sabor a entrega cósmica. Eu acredito que, no meu bichinho, é vivente o estado mais evoluído e omnipresente, em valência e guarda de anjos, de todas as constelações. E ele oferece-me um olhar tão divino. E ele é-me tão caro. Às vezes, sinto, que Deus mo ofereceu porque mereço e porque, a dada altura, lho pedi " Meu Deus, faz com que o melhor dos homens se cruze no meu caminho.Sabes que sou uma perdida, mas sou uma perdida porque pensa, e sou uma perdida que escolhe ser um coração do tamanho do mundo. Meu Deus, faz com que o melhor dos homens se cruze no meu caminho."
E assim foi, há dezassete anos. Eu não sabia, mas tenho uma leve desconfiança que o próprio Deus resolveu vir junto. Eu amo o ajoelhar do meu bichinho.
Um dia, se mo levares, vou aguardar por ele, no mesmo sítio de sempre, enquanto termina as suas tarefas de sempre, de guardião de todos quantos com ele se cruzam. Vou aguardar por ele, aqui, no ritmo sincopado do meu respirar.


(F)


(Conceição Sousa)


quarta-feira, 10 de julho de 2013

amor?

Amor?
Amor é uma coisa completamente diferente disso,
dessa explosão de sensações obsessivas, caóticas e céleres.
No amor só cabe a ternura.
Quando olhas para o amor, só vês ternura.
Quando escutas o amor, és ternura.
Quando sentes o amor, sorris e choras lentamente...
és sorriso e choro de felicidade,
no silêncio de um estar cúmplice,
que só o tempo e as adversidades
consentem.
No amor, quando magoas,
dói-te o olhar resignado do outro.
É aí que sabes que amas.

(F)

(Conceição Sousa)


basicamente

Basicamente é isto: se imaginas que tenho para te dar, dás-me tudo; se te ocorre que nada tenho, nada me dás. Até posso nada ter e ficar-te com tudo; ou ter tudo e tu continuares sem nada.
 

(F)
 (Conceição Sousa)

recuo

Não temas,
quando o mundo recua
é porque não há avanço que não tenha um recuo dentro.

Don't fear,
when the world withdraws
it's because there is no breakthrough
without a withdrawal inside.

(F)
(Conceição Sousa)

A dor é minha amiga

A dor é minha amiga. A dor tornou-se minha confidente. Conheço-a tão verdadeiramente que quando ameaça abandonar-me, eu sorrio-lhe e digo
"Tu é que sabes. Conheces o caminho de volta. Amo-te."
Nem a dor aguenta a solidão.


(F)


 (Conceição Sousa)

ombro

Não sei o que nos chamo. Mas se me ultimassem uma imagem corporal para isto que somos, mostraria, sem sombra de dúvida, o que está sempre ao relento: o ombro.
 

(F)
 (Conceição Sousa)

a realidade

Se não conheces determinada realidade por dentro, se nunca a viveste, ela nunca te poderá ser dolorosa. Nada é doloroso por comparação. Só é doloroso por consciencialização. E até a morte só passa a ser morte quando é mesmo morte. Se estás a ler isto, ainda não sabes o que é. Agora, eu? Depende. Sei que as letras atravessam o tempo, nos materiais, e na alma da gente. Elas falam, de geração em geração. A quanto tempo estás distante de mim?

(F)


(Conceição Sousa)

a vida é-te

A vida é-te.
Assim, do nada, de repente, existes.
És: vida.
Ao escutares, algures, no tempo, um outro -
e com a soma de muitos escutares de muitos outros -,
vais te apercebendo e percebendo: vida.
E a vida entra-te.
E a vida dói-te.
E a vida amadurece-te.
E a vida recua e avança e retorna-te.
E a vida, verdadeira vida, acontece-te.
Nesse instante, estás preparado para ser feliz.
As rugas e a flacidez dizem-te
que a felicidade não traz
(nem nunca trouxe,
nem nunca trará)
o corpo dentro -
simplesmente porque o tempo da felicidade
não é compatível com o tempo do corpo.
Até aqui já percebi.
Falta-me mais algum tempo de vida
para perceber um pouco mais.
Depois digo-vos.
 

(F)
 (Conceição Sousa)

O culto do medo

O culto do medo e do sacrifício, em política e religião, é pura invenção do dominador. Não apraz à ganância a humanidade perceber que a vida existe, e isso é óbvio, para dela ser retirado prazer.
(F)
 (Conceição Sousa)

sou

O mais importante é nunca deixarmos de acreditar na pessoa que somos, e na pessoa que queremos ser.
Podemos, em dado momento, talvez por não estarmos rodeados das melhores pessoas nos seus melhores momentos, vacilar, ponderar algumas das n...ossas escolhas – isso é humano ( e até desejável!).
Podemos sentir a insegurança a apoderar-se de nós, questionar se os valores, pelos quais sempre nos regemos, são indispensáveis a um ar limpo e respirável; e até perceber, em dado instante, que a flacidez não é propriedade exclusiva da pele, também acontece na alma, também a alma pede flexibilidade – isso é humano.
E algumas das regras precisam mesmo de ser arrancadas do íntimo, porque, se antes serviam, mais à frente no tempo podemos senti-las como forçadas, destoadas da evolução natural das coisas – isso também é humano.
Mas o mais importante mesmo é nunca deixarmos de acreditar na pessoa que somos, e na pessoa que queremos ser, principalmente se essa pessoa é parte activa e fundamental na vida de outras pessoas: o bolo de chocolate que ampara a solidão da vizinha, o bom-dia nas escadas do prédio; o abraço ao nosso doente naquela cama de hospital, e que, por arrasto, se alastra ao doente da cama ao lado; o olhar atento às perguntas silenciosas daquela criança, e o sorriso, sempre o sorriso a dizer “estou aqui.”; a mão estendida e aberta no coração de quem te pede, em pé ou caído, sempre a mão estendida e aberta no coração de quem te pede ( e até de quem não te sabe ou não te consegue pedir, mas mesmo assim pede); a tua existência, a tua voz, o teu olhar, a tua presença, a tua ausência, a tua existência…tão somente isso, a tua existência – com rugas, sem rugas, mais gordo, mais magro, mais falador, mais calado -, a tua simples existência é o suficiente para que a vida de todos quantos te rodeiam, te sabem e te merecem, se sintam mais felizes.
O mais importante mesmo é nunca deixarmos de acreditar na pessoa que somos, e na pessoa que queremos ser. E eu, embora com alguns desvios ( confesso), quero manter-me e ser sempre Amor.

(Conceição Sousa)

em tom de conversa

Um dia, em tom de conversa, e no meio de uma multidão, alguém disse
" Quando alguém decide partir, quando alguém pondera deixar todos os outros - precisamente por sentir que não é útil, que se tornou invisível, inaudível, descartável -, esse alguém deve lembrar-se que, por pouco que sinta que esteja, por pouco que entenda que o reparem, por pouco que considere que o lembrem, há sempre aquela pess...oa que naquele momento te escutou e que, por causa de uma atitude tua, de uma palavra tua, tudo mudou na sua vida. E, embora penses o contrário, vais fazer muita falta."
Não sei explicar, mas senti que aquela pessoa me tinha visto, que aquela pessoa ( tão desatenta no dia-a-dia) me tinha sentido no meu silêncio de despedida, que aquela pessoa estava a falar precisamente para mim. E aquela pessoa não sabe ( ou até percebeu e sabe), mas salvou a minha vida - porque, pelos vistos ( e fiquei a saber naquele instante), havia salvado a vida dela. Senti um apelo em forma de agradecimento. E anuí.Obrigada.


(F)
(Conceição Sousa)

Quero uma cama só p'ra mim

Um dia, sei que te vou encontrar.
Um dia, sei que te vou encontrar.
Até lá, amadureço as minhas ideias,
aconchego os meus sentimentos,
dou voltas na cama,
estico as pernas,
encolho os braços,
rebolo até ao ventre,
remexo as entranhas,
vomito, um a um, todos os instantes
que não fazem parte de mim.
E, adormeço, no frio.
Adormeço no pânico de acabar sem sequer ter começado.
Adormeço no calafrio de todas as ausências,
da principal ausência,
a minha.
Adormeço no ínfimo espaço que sobra da cama
onde nunca me deitei.
Um dia, sei que te vou encontrar.

E são tantas já as camas,
são tantos já os espaços que sobram das camas
onde nunca me deitei.
Não espero mais por esse dia.

É hoje.
É agora.
Quero uma cama só p'ra mim.
(F)

 (Conceição Sousa)


boca

saber pelos teus lábios
a morada da nossa alma,
sorver da tua boca
o sentido da vida -
eis o lugar
onde nos findo
todas as perguntas.

(F)


(Conceição Sousa)

corrupto

Chega uma altura em que estar quieto e calado
é ser tão corrupto quanto quem aceita ser pago.
É nesse instante, o da decisão, que percebemos
se o que nos tiram é o que nos resta ou o que nos começa.
Eu exijo um ar respirável e limpo
para quem carrego no ventre.
Desiludam-se aqueles que pensam que o medo me fará paralisar.
Não; o medo, não me fará estacar.
É precisamente o medo de ter trazido os meus filhos ao mundo
para serem escravos e sofrerem que me faz não ter medo de morrer.
A luta é vida.
Chegou a hora.

(F)


(Conceição Sousa)

21* ditadura do medo

O que gosto mesmo é de estar com pessoas.
Olhar, olhos nos olhos, e atentar como não dizem tudo,
como entram em contradição com os movimentos dos lábios.
Não quero dizer com isto que estejam a mentir, não.
Sei que não mentem - 
só me dou ao trabalho de estar com pessoas que se esforçam por ser verdadeiras.
Têm é grande dificuldade em verbalizar tudo.
As palavras são barricadas à porta da boca pela ditadura do medo.
O medo de desnudar-se,
o medo da incompreensão,
o medo do desamor,
o medo da dor,
o medo da solidão,
o medo da entrega.
E é tão bom estender-te as mãos,

segurá-las com firmeza no espaço do teu arriscar, do teu soltar,
do teu pedido no brilho da retina
"salva-me...salva-me...salva-me...",
do instante em que o baço quer expulsar essa luz que veio à tona da apatia.
Ofereço-te, com a determinação do meu querer ver-te, o meu ombro
(em busca do teu, é certo...),
e mantenho-me ali, frente a frente,
enquanto baixas a cabeça inúmeras vezes,
enquanto penduras a esperança no laço das nossas mãos -
e os polegares que afagam,
e os polegares que falam
"Estou, aqui. Não vês que estou aqui?".
O que gosto mesmo é de estar com pessoas,

e de sentir que essas pessoas,
mesmo barricadas em si mesmas,
estão comigo.
Obrigada.

Conceição Sousa

armas

Se eu lutar com as mesmas armas que tu, eu venço-te,
mas isso não tem piada.
Prefiro vencer-te com as minhas armas,
leve o tempo que levar -
a perder.

(F)


(Conceição Sousa)

respeito

Sempre que olhas p'ra alguém, compreende:
cada pessoa carrega consigo uma vastíssima história
de ganhos e perdas,
de dores e alegrias,
de luta e desistência,
que tem de ser respeitada.
É certo que não a vês,
é certo que essa pessoa conta a si mesma, a cada segundo, a sua própria história
(como tu te contas a tua ),
é certo que não te vê -
as histórias são sem paralelo e não se tocam,
cada qual única e intransmissível -,
mas podes sempre apertar-lhe a mão e dizer,
nem que seja com os olhos:
compreendo que há um percurso e nisso somos iguais, respeito.

(F)


 Conceição Sousa

22* Sou rapariga simples

Sou rapariga simples, sim, cá, dos sinos que vertem nas campas das aldeias;
tenho criação humilde, sim, no coração das espigas rubras que fogem aos bois;
vento o temperamento do norte, crua nas cascatas íngremes do que suo.
Há a criança descalça na brincadeira poeirenta das auroras temperamentais aos crepúsculos frívolos;
há as mãos minúsculas que carregam às amas o sono dos irmãos, a aquecer o caminho da reguada na escola.
E sorrio as sopas de vinho ao pequeno-almoço da infância no colo da avó;
e afago a cebola em azeite na calçada de bairro gorgolejante de crianças vadias;
e orgulho-me do cântaro à cabeça a transbordar de afecto senil,
um trapézio de treino equilibrista num pano humedecido de lágrimas que, ainda hoje, me serve de escudo aos deslizes da vida.
Sou rapariga simples, sim, cá, nestas guerras do tempo -
um ocaso construído, passo a passo, sol a sol, gota a gota, peso a peso,

nas escolhas ponderadas de um fio louro solto ao mundo.
E orgulho-me de ter sabido tomar conta de mim - e de todos os outros.
Assim se faz um humano que nunca aceitou ser deitado ao lixo

urbano.

Conceição Sousa

omeletes

Façam omeletes. Sejam criativos porque não há ovos. E cuidado! Há milhares com fome e a responsabilidade de os alimentar é toda vossa. Vão falhar. Dêem a cara, alarguem as costas, carreguem e doem as lágrimas e o suor, pelo menos terão o que beber - e a nós aqui não faltará humidade para lavarmos as mãos. Lembrem-se: façam omeletes, mas sejam criativos porque não há ovos.
É isto o que o governo pede aos professores.

(Conceição Sousa)

dêem-me coisas

Dêem-me coisas p'ra mão, coisas p'ro pé, coisas p'ra fazer.
dêem-me coisas p'ra mexer,
dêem-me uma rotina da qual não possa escapar,
ocupem-me o pensamento,
ocupem-me o pensamento com trabalho,
com suor, com cansaço.
Esta falta de obrigação no hábito mata-me.
Esta falta de ritmo do ponto vai levar-me à loucura.
Dêem-me coisas p'ra mão, coisas p'ro pé, coisas p'ra fazer
antes que o tédio se torne ...doença
e me consuma o cérebro em nada -
a derradeira falência.

(Conceição Sousa)

ciclo

Já sabia que te tinha perdido mesmo antes de te ganhar. Os nossos ciclos de vida encontram-se na perfeição com uma folga de 10 anos. Quando um de nós está a chegar, já o outro partiu há uma década. Há ali um espasmo de tempo onde sentimos que vida faz todo o sentido - embora completamente deslocado. Vivo para a intersecção. Quando menos espero ( e por muito que espere) ela acaba por, abençoadamente, acontecer.

(Conceição Sousa)

importa

Não importa se vais,
não importa se ficas,
não importa se te escondes,
não importa se te mostras ,
não importa que corras,
não importa que pares -
porque a vida é,
a vida é sempre,
contigo ou sem ti a vida é.
O que importa mesmo?

Que nunca deixes de te importar,
para o que quer que seja.
Ou que o faças, mesmo sem (precisamente por não) te importares.
E é daqui que resultam as maiores revoluções.


(F)


( Conceição Sousa)

sete cravos

Quando a chamou, naquele fim de alumiar,
ela estremeceu,
parou, paralisou, suou,
de olhos fechados contou sete cravos...
ouviu, era a voz dele, era mesmo, e chamava-a de novo,
chamava-a pelo seu nome, três pausadas e enrouquecidas batidas,
sentia-lhe na nuca o vento, o compasso do fôlego,
contou sete tulipas, ainda de olhos fechados,
devagar, reclinou o rosto sobre o ombro direito,
e escutou, mais uma vez, a pele a aquecer,
o tom violácea a enrubescer, a intumescer,
o sopro das três vagas a implorar as sílabas do seu nome ao ouvido...
contou sete espinhos, de pálpebras cerradas,
e sentiu os botões erguerem-se no soltar das cavidades lacrimais.
Era ele que a chamava, era mesmo ele, a cera a escorregar...
Abriu os olhos e jurou.
Tarde demais.

(F)

(Conceição Sousa)


Relativiza

- O teu problema, meu querido, são leis a mais na cabeça de um ego onde nem tu próprio cabes.
- Heinh? Não percebi.
- Relativiza, amor. Relativiza e abre os braços à inspiração. Vá, bem fundo, comigo, eu ajudo. P'ra cima e agora...p'ra baixo. Outra vez. P'ra cima...p'ra baixo. Vês?
- Vejo o quê?
- Somos dois, a fazer os mesmos movimentos, exactamente os mesmos movimentos. P'ra cima, inspira, p'ra ...baixo, expira... e agora multiplica por todos quantos possas imaginar ainda vivos neste planeta, recua aos vivos de outras épocas e alcança os vivos de épocas vindouras. P'ra cima, p'ra baixo. Já passou?
- Já passou o quê?
- Essa mania de que és o centro das atenções, pá? Relativiza. Não há problemas, nem há celebridades, há egos descoordenados. Liga lá o GPS: p'ra cima, p'ra baixo. Estás fixe, agora?

 - (...)

(F)

(Conceição Sousa)


41* dois homens uma mulher

Dois homens. Uma mulher. Um sentimento.
A intensidade num é equivalente ao acto de respirar, no entanto não o manifesta.
Pior: na ponta dos dedos, na ponta da língua, na ponta de tudo resulta o travo a fel,
o corte do ar, exactamente o oposto ao que se sente é o que acontece.
A intensidade no outro é ligeiramente menor, mas sabe a eterno,
escorre pelo corpo como a vida pelo destino,
segreda nos tons da carne o arrepio de um nós cúmplice,
liberta-se pelos poros, corrente imparável de entrega, calor temperado de matéria dedicada.
Qual dos dois é o amor maior?
Aquele com quem o corpo colabora ou aquele a quem o corpo trai?
Aquele que a vida carregou ao colo ou aquele que a vida apunhalou?
Deve a mulher escolher o sentimento mais intenso e trabalhar o corpo?
Ou deve a mulher escolher o corpo e trabalhar o sentimento?

( Conceição Sousa)

42* limitações

Todos nós temos as nossas limitações, é verdade. Todos nós temos.
Não há um que não tenha uma limitaçãozinha.
Nem por isso devemos anular os nossos sonhos, não.
Precisamente por isso devemos torná-los mais vivos.
Se não consegues tudo num dia, divide esse tudo por semanas, meses, anos...
mas não deixes de o tentar, de o fazer, de o concretizar.
Se não o podes como o parceiro do lado, o problema é mesmo essa palavra "como", não te compares. Comparar é matar o sonho.
Elimina o "como" e abraça o "começa".
Começa já.
Não penses " amanhã, talvez...", não,
começa agora, devagar, ao teu ritmo, acompanha o teu próprio tempo, e faz,
e goza o fazer, e aproveita o fazer , e sorri enquanto fazes.
Por pouco que seja para os outros, é parte do teu tudo, é a tua voz, a tua alegria, a tua vida.
Relativiza as limitações, encaixa nelas os teus sonhos e percorre-os.
Mais vale um pouco que se torne tudo, do que um tudo que se desista e seja sempre nada. Força.
E, já sabes, começa.

(Conceição Sousa)

43* amas-me?

- E se eu quisesse que tu me amasses, como teria de fazer?
- Simples. Terias apenas de mo dizer.
- Dizer, apenas?
- Sim, dizer apenas. Se te agradecesse o sentimento, saberias que o não terias, ao meu amor, da forma que tu gostarias.
- Não?
- Não.
- E então como saberia que me irias amar da forma que eu gostaria?
- Assim que mo tentasses dizer, os meus lábios calariam os teus.
Mas como nunca vai acontecer, estamos a ter esta conversa.
- Pois...
- O amor não é de conversas. Se é de conversas, há um que não está.

(Conceição Sousa)

44* tempo vazio

 -E o que é uma mulher que se abstrai do tempo, do espaço, de tudo e de todos e escreve, de forma apaixonada, sobre o íntimo de tudo e de todos, o seu íntimo pois?
-Alguém que de paixão não tem nada, que busca incessantemente não desistir do seu tempo ( vazio, atrás de vazio e mais vazio...) e ocupa-o com a criação obsessiva de paixões umas atrás das outras, corre na direcção da paixão perfeita, e... enquanto arquitecta os alicerces da casa, do jardim, do céu e da cascata, esquece que o vazio acontece.
- Só isso?
- Sim, só isso. Apenas a maior das contadoras de histórias a si própria. Achas mesmo que se estivesse a viver uma grande paixão - e olha bem para a palavra que apliquei: viver -, estaria a escrevê-la? As paixões ou se vivem ou se desistem, não se escrevem. O que se escreve é a ocupação do tempo vazio.

(Conceição Sousa)

23* despistado

Foste tu quem começou.
Eu sou do mais despistado que pode haver.
Saio à rua com uma bota de cada cor, o casaco do avesso, os botões mal-casados.
Às vezes, de chinelos de quarto,
ou entro no carro com a toalha ainda na cabeça -
p'ra não elencar as portas em que forcei as fechaduras,
quando na verdade era o carro mais ao lado ou a casa mais acima.
Foste tu quem começou.
Eu raramente acerto.
Saio de sandália quando chove ou de pullover quando faz calor.
Choro se tenho de rir e rio se tenho de chorar.
Bebo água numa festa e vinho num funeral.
Foste tu quem começou.
De cada vez que abro a boca ou disparo um gesto,
soam os sinos do ridículo,
e todas as gargalhadas reprovam com olhares laterais a minha teimosia.
Foste tu quem começou.
Eu até nem sou inteligente.
Dizem -me que sou sim do outro mundo.
Por isso, é sozinho que falas,
neste. 


Conceição Sousa

martiriza

Aquela expressão que fazes quando algo te martiriza,
aquele jeito baço de não olhar para fora,
aquela fuga de luminosidade para um tempo mais atrás,
uma rebobinagem da fita,
sempre o mesmo trecho,
com o holofote na potência máxima
e os olhos virados para dentro...
E quando te pergunto se posso,

te digo que quero,
ajudar,
fixas o teu olhar no meu,
regressas do teu cadafalso
e a lágrima implora-me a voz do
"não me dês o que já perdi,
outra vez a esperança não,
não sejas cruel,
p'ra que perguntas? "
Só me resta apertar-te entre os meus braços.


(F)


( Conceição Sousa)

café?

Um dia pensei em convidar-te para um café,
e não teria qualquer problema em telefonar-te e dizer:
"Olá, como estás? Correu bem o dia? Que tal tomarmos um café?
Vá, não aceito um não como resposta. Tem de ser. Há instantes que têm de ser cumpridos. E tu precisas de duas palavrinhas e de um abraço meu. No final, decides se te despedes com um beijo. No teu lugar, fecharia os olhos p'ra toda a vida e relembraria incessantemente esse fim de tarde em que nos encontrámos e ao nosso tempo."
Como disse, pensei em fazê-lo e, por uma questão de horas, não o fiz. Foi só o tempo de ter percebido que a mesa já tinha dois lugares ocupados. Mas um deles pode sempre vagar. É preciso é que um de nós o saiba.
Há ainda um abraço que é teu e um beijo que é meu.
Com o destino que cada um sente não se brinca.


(F)


(Conceição Sousa)


não desistas

Não desistas.
Há conquistas só nossas.
Há conquistas que comungam com o nosso tempo.
Há conquistas que, por muito que tentem, ninguém consegue apagar.
Se te levaste e foste levado ao altar,
mesmo que caias,
lembra-te: será sempre nosso esse momento.
Há conquistas tuas que caem no esquecimento,
mas que mudam a tua comunidade para sempre.
Fecha os olhos,

baixa os braços,
partilha do chão,
mas não desistas de contemplar o céu.
É só conseguires erguer o queixo.
Bem lá em cima, vá.
Se és dádiva, se és amor, se és paixão no estar,
há alguém, neste mundo, que sente um orgulho enorme da tua pessoa.


(F)


(Conceição Sousa)
 

46* eterno

A sensação inerente a cada um é a de que é eterno.
E, sim, sou eterna até ao momento em que deixo de o ser.
Repara, no entanto, que o serás sempre, eterno -
na assunção circunstancial de o seres enquanto vivo.
É doloroso saberes que um dia acaba, embora não saibas o que é esse acaba ( como podes então chamá-lo de acaba?), só pela percepção em vida do que é o acaba dos outros: pura observação, vá.
A morte vê-se por fora, mas nunca é sentida por dentro (nunca é uma palavra muito forte para quem não a experienciou - ou não se lembra de tal ocorrência) - pelo menos não enquanto vida.
O medo da morte só se percebe porque ela não é bonita p'ra quem a observa, para o vivo. Porque para o morto não sabemos se é bonita ou feia, se aterroriza ou deslumbra. Não sabemos.
Se algum morto algum dia teve permissão para falar, nunca fez uso dela, nos moldes em que os vivos comunicam entre si.
É lícito pensares que até fez uso dela, apenas um vivo não sabe como ouvir e compreender a linguagem de um morto. Simples, não?
E há mistérios na natureza do mundo, nas entrelinhas das estações, nas rotinas do sol e da lua, nas coisas cíclicas que nos fazem pensar porque serão cíclicas...
Quase me atrevo a dizer que não há mortos nem vivos. Mas não me perguntem, ainda, o que há.
Perguntem apenas o que sinto. Eu dir-vos-ei, relativamente a estes assuntos e a tudo, paz.

(Conceição Sousa)

saving


Never give up saving, save blindly,
say "Hi, I'm here for whatever you need and I can".
Never give up saving,
because you really do it, you really save many -
even when you feel hardly anyone will ever save you,
even when you feel the world is always mute and quiet for you.
Let the tear fulfill its destiny
as the rain drop redeems heaven.

Conceição Sousa

47* vencedores ou perdedores


Não há vencedores nem há perdedores. Há. Tão somente.
E se pensares bem nem sequer há.
E o que é haver?
E o que é pensar?
E o que faz pensar?
E o que permite pensar?
É que ( não, esvazia tudo, abstém-te de pensar, mais atrás ainda, abstém-te de abster... ) nem há nem deixa de haver.
Mas ainda vou descobrir o que nos faz querer descobrir.
Se calhar é isso mesmo. Tudo está aqui. Aqui mesmo, desde sempre, perante todos os nossos sentidos. Tudo nos é ofertado.
E a nossa função é vencer todos os medos, o medo mor, o do desconhecido que afinal já conhecemos, levantar o véu e, aos poucos, ou de uma vez só, descobrir.
Há chaves, no entanto, que estão aqui, mesmo à frente do meu nariz, mas não as vejo.
Se calhar não estás a focar-te na percepção certa, no sentido adequado. Experimenta ouvir. E que tal cheirar? Ou talvez saborear...toca, toca muito. Usa tudo o que podes. Não limites o que não nasceu para ser limitado. Descobre mais. Descobre-te e ao tudo que te foi ofertado.

Conceição Sousa

a chuva resgata o céu



Entrega, diariamente, pequenos algos de ti,
flocos pincelados de ternura,
ao estar oprimido de outros,
mesmo que o sejas também,
carenciado e oprimido.
Nunca desistas de salvar,
a torto e a direito salvar,
dizer " Olá, estou aqui, para o que precisares e eu puder".
Nunca desistas de salvar,
pois salvas mesmo, salvas muitos -
mesmo que sintas que dificilmente te salvarão a ti,
mesmo que sintas o mundo mudo e calado para ti.
Deixa que a lágrima cumpra o seu destino,
assim como a chuva resgata o céu.

(F)


Conceição Sousa


Don't cry

Don't cry, my dear.
Don't cry so hard, my dear.
The day may be ravished and scared today
but tomorrow, I assure you, and look deeply inside your heart,
tomorrow it will open a sweet, gentle, bright, warm sky
just to hug your sorrows, my dear.
The today is lying to you,
don't believe its madness and cruel smile,
the today is mocking your existence
and it genuinely believes you shouldn't have been born.
Don't pay attention to this painful present,
be sad but firm,
be quiet but angry,
be still but rough,
and let your time change your days into the sweetest thing
ever delivered on earth.
Don't cry, my dear,
because the tomorrow is arriving
and it will carry you gently in its lap
and it will lie you carefully on a heavenly ground
making every existing thing believe
you are worthy of their halo
and truly happy on your knees -
this is the humble position of those who are gods.
Accept my reverence.

Conceição Sousa

Não há Deus. Há o Amor.

Não há Deus. Há o Amor.
Se consegues sentir o Amor,
conheces Deus.
O que é sentir o Amor?
É olhares na direcção de vários
e perceberes que darias a tua vida
só para que o terror nas suas faces
se transformasse no sorriso que lhes prometeste.
E basta-me o olhar de um filho
para conhecer Deus.
Queres prova maior
de que há algo maior do que a própria vida?

(Conceição Sousa)

48* combater

Combater é torcer os nossos próprios fantasmas, amestrá-los e dizer-lhes:
"Não, não vais cobrir a minha escuridão com esse lençol branco.
Não, não vais aprisionar o meu medo com um sorriso de falsa luz.
É assim que o sol tem de me ver, negra.
E, embora qualquer buraco seja mais confortável
e todo o fundo se pareça comigo,
é na direcção do que arde que teimo em caminhar.
Se arde, se consome, é porque traz vida.
"Venha ela! Ou melhor, vou-me a ela!"
Combater e querer viver
é andar no sentido exactamente avesso ao que te é mais confortável,
é querer conhecer-te em todos os ângulos e posições imagináveis.
Tremo, mas concretizo.
Há um olhar em declive que me causa a vertigem
na escala do meu auto-conhecimento.
E eu temo, mas salto.
Salto sempre: e plano.

(Conceição Sousa)

partículas



Partículas,
partículas que explodem na tua direcção,
partículas daqui de dentro,
partículas daqui de fora,
partículas que não me pertencem,
partículas que transporto,
partículas que vêm de longe,
imparáveis partículas que continuam,
desobedientes partículas que vão.
A que lugar quererão elas chegar?
Em que momento confluirá o todo?
Todos somos uns dos outros,
uns suavemente,
outros nuclearmente.
(F)

(Conceição Sousa)


o nosso nunca

Sempre tão quente, quando me tocas,
sempre tão quente...
o teu peito nas minhas costas,
os teus braços a prender os meus,
não me querem soltar,
tum-tum,tum-tum,tum-tum...
a tua respiração na minha nuca,
a tua mão a afastar os cabelos,
a permitir a passagem do fresco...
os teus lábios queimam no nosso nunca.

(F)


(Conceição Sousa)

Não quero sentir-me melhor do que ninguém. Recuso a sentir-me melhor do que alguém. Também não quero sentir-me pior do que outros. Quero apenas viver em paz comigo. Aceitar-me, assim, como sou. Mas há algo do qual não abdico: parar para reflectir. E paro muitas vezes para reflectir. Sei que sou a maior das pecadoras quando a vida assim me faz ser, a maior das pecadoras. Mas não o sou muito tempo. Direi, segundos; às vezes, minutos. Só enquanto não dei o tempo necessário ao meu instinto ( às vezes felino, às vezes animalesco, às vezes troglodita) de parar para reflectir. A paragem acontece diariamente, e várias vezes ao dia. Não. Não é por aí que vais, menina. Respira fundo, pede desculpa, e retorna ao sensato, ao correcto, ao tranquilo, ao sereno, ao mais favorável a todos, logo a ti. Respira fundo, e perdoa-te, perdoa-te já, sem "mas, nem meio mas", perdoa-te já e prossegue. Já chega de paragem. Respira fundo e continua. A vida é isto mesmo: pecar, parar, reflectir, pedir desculpa, perdoar-se, e avançar. E nos tempos em que se avança, amar: amar demais, amar tudo.

(F)


 (Conceição Sousa)


a falta de pão

Talvez ainda mais importante do que atentar na falta de pão na mesa das famílias é perceber que não há famílias já que consigam a uma mesma hora partilhar o que quer que seja em cima de uma mesa. Há-de faltar sempre alguém: ou porque esteja à procura de emprego, ou porque esteja a trabalhar sem qualquer remuneração, ou porque esteja a trabalhar por dois ou três, ou porque esteja emigrado, ou porque esteja simplesmente mal-humorado, ou porque tenha deixado de estar...não há famílias já que se consigam sentar a uma mesma hora numa mesma mesa para partilhar o que quer que seja. E esta é a maior tragédia da época em que vivemos. Há a desintegração total. O que se segue a tal abandono? Construção? Não. Desafortunadamente e inevitavelmente, o oposto .
(F)
 (Conceição Sousa)

Não chores

Não chores. És mais essencial à vida de outros do que aquilo que esses outros te mostram. "Essência", repara na palavra. Se é "Essência" , habita no silêncio e na não-matéria. É por isso, pois, normal que não te fale nem se mova. Mas que te ame na proporção inversa: a de quem te fala e a de quem se move para ti ininterruptamente. O teu choro é sempre a dois, não o sentes?

(Conceição Sousa)

o que a vida trouxer



Vive o que a vida te trouxer. Quanto ao resto...relativiza. É mau? O que a vida te traz é mau? Procura, à lupa, aquele buraco, aquela ínfima fissura, por onde te vais fazer o enfiamento de mais um dia feliz. Eu ajudo:
1º O básico que a vida te traz: respiras, e sentes as estações, e escutas o clima, e passeias as tuas vontades em mundos imaginários " A vida é tudo o que eu quiser que ela seja. Na vida, só sinto o que eu quiser que me sinta e fique em mim."
2º Relativizar: sou um entre tantos, e cada um com cada qual, que enfiados num estádio de multidões, e num ciclo de épocas e eras, já ninguém sabe ( nem se lembra!) de quem é quem. E até o ninguém se evapora.
Por isso te digo "Vive o que a vida te trouxer. Relativiza. Ama o mais que puderes. Só o amor te traz vida."

(Conceição Sousa)

49* tira os fones


Ouço vozes! Ouço vozes constantemente. Umas exigem, outras choramingam, outras lamentam-se, outras gritam e berram e discutem e praguejam e blasfemam. Ouço vozes, caramba! Todos os dias, a todas as horas, a todo o instante. Vozes que reclamam, que insinuam, que seduzem e apontam e desconversam e massacram e contestam. Ponho os fones. E percorro as vielas da minha cidade. Há uma magia qualquer na música que impede as vozes de estar. Intimidam-se. Não se aproximam. Nem sequer sussurram. A música protege-me. A música embala todas as vozes e elas adormecem. A música pacifica os espíritos. É certo que, às vezes, se abrir os olhos, há aquela senhora que rasga a fúria do seu olhar na minha direcção "tira os fones!", ou aquele velhote que me aponta o caminho para a esquerda "tira os fones!", ou aquele menino que sorri de forma sarcástica "tira os fones!", ou aquele cão que esgaça os dentes "tira os fones!", ou aquela planta que se atravessa nos tornozelos "tira os fones!", ou aquele vento que me empurra para o outro lado "tira os fones!", mas eu cerro as pálpebras, sento-me num banco de jardim e faço por sentir a chuva a amaciar-me a pele.

(Conceição Sousa)

bliss

Guardo-te no espaço que todos querem
e ninguém tem.
Aquela pausa de diafragma
onde morte e vida se tocam
num esgar de dor e entrega.
Há quem lhe chame felicidade. /
I keep you in that place
which everyone wishes
but nobody gets.
That midriff pause
where death and life meet
in a grimace of pain and handing over.
There are those who call it bliss.

 Conceição Sousa

fruta da época

O problema das pessoas é terem o que as rodeia por garantido.
Acreditam piamente que não trazem nada de novo ao mundo
porque, em jeito de amnésia, o mundo pensa e sente tão somente como elas.
Mas não;o mundo desconhece-te.
O mundo não te sabe.
O mundo só te encontra quando tu chocas com ele.
E o mundo ainda não sabe...mas está ansioso por te descobrir, por te desnudar.
É como comeres fruta da época, a primeira cereja.
Depois não consegues parar.
Tu és a cereja - e as épocas vêm, e vão, vêm, e vão.
Chega-te à boca do mundo.
Deixa-te escorrer o primeiro travo.
Vais tactear um mundo que não consegue parar.
E o mais delicioso é apaladares o desabrolhar de amoras.

 Conceição Sousa

amigos para a vida

Há amigos que os tenho (que os tinha) para a vida.
A dada altura percebo que deixei de servir.
O mesmo de sempre.
Aquilo que sou,
quando mostrado até à demência,
ou inibe ou faz sombra ou deixou de ser conveniente -
mas o mais incoerente nisto tudo é que eu não mudei,
eu sou a mesma,
exactamente a mesma para quem sorrias antes,
apenas deixei que entrasses um pouco mais...

(Conceição Sousa)

quatro irmãos

Somos quatro irmãos.
E todos nós, irmãos, somos o nosso orgulho.
Percebemos, em todos nós, as sementes bem regadas,
bem cuidadas,
bem sussurradas, de nossos pais.
Tempestades vieram ( e nós a ficar robustos),
secas ( e nós a enlaçar as raízes em busca de seiva),
cheias ( e nós a apertar os nós por debaixo da terra),
monções ( e nós a perder as folhas, a acenar os ramos do derradeiro adeus - é agora?),
mas nós aqui estamos,
em pé, fortes, coesos,
sorridentes e chorados num lamaçal hediondo de vida.
Nós, como um só, num abraço de palavras
que se enraizaram e nos mantêm, umbilicalmente,
pregados aos anciãos.

(Conceição Sousa)

proscritas

Há palavras que desconheço.
Sei que me guardam para serem ditas ao teu ouvido.
Há palavras proscritas, seladas - soam a interregno...
é proibido pensar o pensar delas.
É que, sabes, não há sentir
que não se esmiúce em farrapos largados a jusante,
nem boca que não se labarede em estilhaços de saciedade,
nem cabelo que não se desprenda em ampulhetas reviradas,
quando as palavras que me travam forem ditas ao teu ouvido.
E até as paredes clamarão misericórdia.

(Conceição Sousa)