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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

rubi

Nunca, alguma vez, alguém conseguiu tocar neste brilho rubro,
de fundo de muralha a carvão,
surrado de dor e de não,
contido em camadas de quartzo cavernoso.
Nunca, alguma vez, alguém conseguiu sequer perfurar uma minúscula fissura de luz,
espasmo vulcânico no adro,
silêncio de prece consumado.
Nunca, alguma vez, alguém, a não ser tu, estranho peregrino -
que numa exígua falha de cerco,
arrebataste o rubi do pesar lento,
despiste-o do tempo sombrio e da montanha,
lapidaste-o na melodia vaga de um arco-íris:
a lágrima nua entregue ao sol deposto -
quando ambos se haviam já esquecido de acreditar.
Uma fracção singular de socorre-me
porque há muito quem precise de me sentir, ao meu brilho.
(não o deixes apagar-se.)
E ainda perguntas se te amo.
Deus entrou em ti e aí ficou -
só para que me guardasses no seu amor.

(Conceição Sousa)


*

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

diário

Meu querido diário,
hoje o dia passou-se bem.
Tive o carinho de tantos meninos e meninas, cujo brilho no olhar atento e o sorriso do tamanho da inocência me carregaram ao colo e, como sempre, abraçaram num cobertor de traquinices.
É uma dádiva esta profissão de professora, pois, por muito que as notícias do mundo me abalem e os reveses da vida me lancem para o abismo, há sempre um cordão de almas que me entram pela sala dentro e, sem o saber, insuflam a minha aura, já tão desbotada, de vida. É tanto o carinho que me entregam, tanta a doçura com que me falam, tanto o sentir que em mim procuram que não tenho mãos a medir e o negro não consegue nem um espacinho ( por muito pequenino que seja) no meu coração. Mas hoje fiz questão de lhes dizer: " Vocês dão-me cabo da paciência, são uma pestilência, mas não passo sem vos dizer o quanto gosto de cada um." Até tive de cantar p'ra eles, vê lá tu, o PC não tinha som, o exercício era auditivo e lá comecei "Light up, light up, as if you have a choice..." e eles acompanharam, bem felizes, bem lá no alto "even if you cannot hear my voice, I'll be right beside you dear" Sim, é verdade. Sempre ao lado uns dos outros. Adoro todos os meus alunos. São a minha companhia diária, como poderia não os adorar? Venero-os.

narradora?

Como narradora desta história,
o meu desfecho seria outro,
mas o raio da personagem sublevou-se
e retirou-me das mãos o destino da tinta -
e até a tinta se rebelou.
Agora, vejo-me encarcerada neste papel.
Acercada do precipício,
solto um eco medonho
"Consuma-me, ente diabólico.
Devolve-me o que nunca possuí: tu.";
e, na volta de página
( sem saber se haverá volta),
aguardo a tua decisão:
a minha vida na tua mão.
Até a tinta se recusa a escrever-nos,
mas é nos espaços vazios que nos temos.
Eu, personagem muda,
continuo a sussurrar-te nas entrelinhas
"amo-te, vê lá se te avias."

*


(Conceição Sousa)
 

Desculpa

Peço-te, de joelhos, mil vezes,
desculpa,
mas não é isto que sou.
Despeço-me aqui.
Chegou, mais uma vez, a hora de me procurar.
Perdoa-me todo o afecto que fiz nascer e crescer em ti.
Se o consegui, acredita, foi por ti:
alguém que, agora, conhece o amor
e que se sabe capaz de amar.
Afinal, não será isto o sentido da vida?
Compreende que tenho de continuar a procurar o meu.
Sei que está nas coisas mais simples,
no lado que ninguém vê ( porque o assumem adquirido),
mas eu quero conquistá-lo
e senti-lo por dentro do que já nem cabe dentro de mim.
Quero resgatar-me,
toque do tempo, espaço a desocupar, caminho despido,
ponto ínfimo de luz quase a apagar.
Não sei se algum dia a comunhão que tanto anseio
com o lado selvagem e instintivo me permitirá voltar.
Foi tudo verdade, na minha loucura.
Foi tudo uma linda e inesgotável verdade.
Abraça-me. Sabes que jamais te irei largar.

(Conceição Sousa)

*

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O MEU momento

Quero que saibas (e sabes)
que caminho em ti -
e na graça de me terem abençoado os anjos
com este amor.
Mesmo que te privassem dessa pele e deste tempo,
e te revestissem de outras circunstâncias
num outro corpóreo instrumento,
eu reconhecer-te-ia como O MEU momento.

(Conceição Sousa)
 

batimento sincopado

Quero ouvir o batimento sincopado
no trinco ofegante da fechadura hirta,
sentir o chão oscilar
em pingos de cautela sudorípara,
farejar o presságio agridoce da mordedura cava,
e apaladar-te no lençol hipocrático da jugular extenuada.
Aqui exala-se um gemido sufocado
e sonega-se um calafrio venatório.
Aqui preda-se o rendido, vem…

(Conceição Sousa)

calar

Não sei que te diga...
havias de me ter calado, sim.
Um milhão de beijos calariam para sempre a tua boca.

(Conceição Sousa)

faz

Atenta no que esta pessoa faz -
e não tanto no que escreve.
Olha a força para além das palavras:

toda a envolvência do ser,
as circunstâncias específicas da época,
e o efeito não imediatamente percebido.
Consegues sentir e ver?

(Conceição Sousa)
 

Cisão. Ruptura.

Cisão. Ruptura.
Se não conhecesse, por dentro, o significado desta palavra
(porque o conceito é um só),
ainda hoje caminharia pela tua mão (com a rédea bem presa), s
oltaria vocábulos pouco perceptíveis ao entendimento -
ou, no mínimo, repetiria o teu discurso neandertal
(novo léxico? quando não se dá um passo além do familiar, não é pertinente) -,
e, acredita, não me daria ao trabalho de recorrer à sanita
(p'ra quê? a fralda que tão carinhosamente me colocarias, serviria perfeitamente).
Cisão. Ruptura.
Se não sentisse por dentro o poder deste conceito,
não regatearia além do comodismo vendável da adolescência,
não exigiria o fim da força do chicote,
não adoeceria pela luta constante do voo além da redoma de vidro.
Cisão. Ruptura.
Dou graças aos Céus por procurá-las sofregamente a todo o instante,
pois sem a ânsia delas nunca teria sequer tocado no meu ser mais adiante:
um autónomo, independente, sábio do sangue da vida, insaciável no canto da liberdade -
e, escuta-me bem,
só se encontra na liberdade quem alguma vez sentiu que ( talvez?) nunca pudesse sê-la.
Cisão.Ruptura.
É o que o país precisa para que todos possamos saborear o sal da vida:
suor, lágrima e despedida.
Cisão. Ruptura.
O graal de quem abraça o tempo (o seu e o dos outros) com veemente ternura.

(Conceição Sousa)

calculista

Sou fria, sim.
E calculista, sim.
Paixão?
Devo ter alguma, sim.
E se não a tiver, invento-a.
Friamente, calculo-a:
" - Ai!, tudo arde cá dentro, meu amor!"

(Conceição Sousa)

arco-íris

Nas traseiras de minha casa,
Deus fala constantemente comigo

 " Vê o que acontece quando o sol sente a minha lágrima.
Trago-te este arco-íris, à janela da tua alma,
para que saibas o quanto te amo."

( Conceição Sousa )

película

Meu amor,
a linha que separa o certo do errado
é um triz segregado numa teia em cadência,
um alinhamento contínuo
comparável à película que separa o de dentro do corpo
do de fora do corpo -
e a busca é essa: o toque.
E o tom que a pele te dá (não o que ela tem)
é o mais importante: toca-te numa multidão de cores -
um fogo preso:
às vezes, ama-te na claridade em que te envolve;
outras, fere-te no choque térmico.
(Convém é que nunca esqueças

que o que dá o brilho à luz é o negro:
não o tenho no tom de pele,
mas é a cor da minha alma: linda.)

(Conceição Sousa)
 

meteoro

Não podemos obrigar o outro a olhar
para o que a vida não permitiu que consiga ver,
mas podemos sempre tentar iluminar o caminho.
Não são as estrelas pequenas fagulhas mortais
a incendiar o caminho de quem quer se afundar no escuro
à procura do além?
Até o meteoro, antes de abraçar o chão,
incandesce quem cruza o tempo de uma queda,
num sorriso deslumbrado ( e de raro brilho) -
um pico de êxtase: oh!, felicidade! -
que passa todas as barreiras do som, num silêncio premonitório,
e, antes de beijar o que sempre foi muro e só,
estilhaça tudo o que é quebrável.
Mas tocou ou não tocou?
Em brilho, em tom, em tacto, em odor a chamuscado -
e até em sabor a metal: o golpe no coração: intacto.
O silêncio premonitório?
Fácil: intuição: essa, nunca falha.

(Conceição Sousa)


*

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

perdão

Vais ter de pedir perdão,
todos os dias da tua vida,
ao firmamento,
por me teres despertado deste sono
quando sabias que jamais voltaria a adormecer.
Era um sonho tão lindo.

(Conceição Sousa )

lucidez

Demasiada lucidez
conduz a um estado de permanente loucura.
Só sei que te quero. Do resto? Não me perguntes.

(Conceição Sousa)
 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

gesso

O amor?
É uma perna engessada
fazer uma viagem de 200 km,
no deslizar da estrada vidrada,
com o fumo branco à boca do conclave,
e crachar num gelo de morte um
" falta aqui o teu nome, amor. "

( Conceição Sousa)

coisas mundanas

Deixa-te de coisas mundanas
e abraça-me
se a tua vontade é abraçar-me.
Quanto mais o teu coração sangra
na direcção do meu,
mais os teus braços se afastam do meu peito
para estancar o fado que se esvai do teu.
Eu nunca pedi o teu sangue,
apenas uma estada do teu sono dentro do meu
enquanto o meu sangue corre e aquece este corpo.
De resto, sei, não acaba aqui,
e, algures, tocar-me-ás, matéria,
amor das minhas vidas -
pois não somos de agora nem daqui.

(Conceição Sousa)

conquistas

Há conquistas que são só nossas...
só nossas e tão nossas -
pequeninas vitórias aos olhos dos outros
(se calhar nem lhes chamariam de vitórias),
mas se imaginassem todos os gigantescos obstáculos
que tivemos de transpor nunca -
como alguém,
a quem disseram que teria de viver numa ilha deserta para sempre,
construir uma jangada e enfrentar tempestades em busca de gente -
nunca as chamariam de pequeninas.
Há grandes conquistas que somos nós.

( Conceição Sousa)

Estás aí?

Demasiadas vezes sinto que estou prestes a desistir -
e demasiadas vezes regresso, no dia seguinte, mais forte
do que alguma vez imaginei.
Sempre convencida de que não há lugar
mais impossivelmente só e apagado
do que o meu coração,
sempre desgastado p'ra lá da borracha,
sempre condenado àquele sorriso ébrio,
àquele baixar de pálpebras esquivo,
àquele som do vento nas palavras que é a tua respiração
na palma do que é a minha:
como pode um vazio saber que é visto?
É vital para um vazio saber que existe, não?
Pode um vazio ser inspirado?
Demasiadas vezes sinto que estou prestes a desistir-
e demasiadas vezes a luz do amanhecer apaga a dureza da noite,
essa que a carrega ao colo no caminho da folha amarrotada
e desbotada, mas que sussurra ao meu ouvido:
nunca é a solo. E insiste, décadas: nunca é a solo.
E é essa ainda a esperança: nunca é a solo. Escuto-te.
E quando a folha não quiser ser preenchida?
Como se mede a inconsciência de um vazio?
Estás aí?

(Conceição Sousa)

*

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

a doçura da minha boca

Quando a mágoa consegue ser maior do que o amor,
há um rio que deixa de correr para o mar.
Um muro que muitos alguéns se dão ao trabalho de construir,
vidas pequeninas, sorridentes em cada estocada,
em cada pedaço de água emparedada,
vidas pequeninas a tentar impedir uma outra de passar,
só para que possam respirar.
O que elas não entendem é que a barragem só funciona
porque o mar é salgado e não sabe abraçar.
Quando o mar aprender, galgará o leito deserto,
mudará o curso das águas
e não haverá pedra sobre pedra,
nem gente que não sente, que o impeça de beijar a doçura da minha boca.
E só nas lágrimas restará alguma salitre do que outrora só sabia aguardar.

(Conceição Sousa)

I'm in love

Sou uma apaixonada pela vida, sim.
Sou uma apaixonada por tudo o que me faça sentir apaixonada pela vida.
Sou apaixonada por ti. /

I am in love with life, yes.

I'm in love with everything that makes me feel in love with life.
I'm in love with you.

(by Conceição Sousa)

Magia?

Magia?
É acordares um dia e perceberes que só há quem te queira bem,
mesmo não te querendo.
Aliás, magia é acordares um dia e perceberes que só há quem te queira bem
porque tu não consegues ver quem te quer mal.
Isso, sim, é magia.
E, a partir daí, a vida é tão boa.

(Conceição Sousa)

a boleia

E pode ser que a vida seja muito bem só isto.
E pode ser que lá, no final, venha a descobrir que, afinal, o só foi o êxtase.
E pode ser que já, no momento do agora, decida deixar de te querer
e passe a desejar o que há muito esqueci;
e, afinal, descubra que o êxtase sempre morou aqui,
bem juntinho a mim, na forma daquilo que eu quiser.
Só porque me mereço e não a ti, vazio de coração, falta de gosto.
Só mais um aparte:
quem corre, como nós corremos, nunca morre de tédio.
(nem sequer nas paragens do autocarro -
que vai sempre apinhado de gente, mais à frente;
mas quem é que quer a boleia de todos?)
Não te canses. Sê feliz.
Só te digo que me dá um gozo falar-te daqui...

(Conceição Sousa)
*

hálito

Paixão literária, wow! Enquanto a tiver, podem beliscar-me as vezes que quiserem que eu não acordo. O ânimo sonha-me nas veias. Ilusão é outra coisa - e, disso, felizmente, nunca sofri.
(Até porque sei que um hálito é imbatível - para os dois lados...)

(Conceição Sousa)

mordo o lábio

Mordo o lábio, penso em ti,
penso em ti, mordo o lábio,
olho para as unhas, brinco entre os dedos, penso em ti,
penso em ti, brinco entre os dedos, olho para as unhas,
mordo o lábio, procuro a lua, não a encontro, mordo o lábio,
penso em ti, não a encontro, à lua que procuro, mordo o lábio,
penso em ti, e entre os dedos brinco, a olhar para as unhas que gastei a pensar em ti, alguém trauteia-te na minha voz, um gemido. A lua.

(Conceição Sousa)

como começou?

Como começou?
Bem...a minha mãe teve um cancro, que, felizmente, até à data, superou. Quis, em pouco tempo, apagar da memória colectiva da família toda aquela fase ( tão negra!).
"Já sei! Vou substituí-la, à escuridão que se abateu sobre todos nós, por algo igualmente extraordinário, mas muito bom!" - pensei eu, na minha necessidade de ver todos, de uma vez por todas, sorrir. - "É neste Natal, é agora que lhes ofereço um livro da minha autoria."
- Faça-me 20 exemplares.
- Ó mãe, 20 exemplares? Tão pouquinhos...Só vais oferecer à família? Porque é que os outros são escritores e tu não, se eu te vejo constantemente a escrever?
(Oh!, então é isto que o meu filho pensa de mim, que eu não sou escritora. Estou a ensinar-lhe que os sonhos não são para ser concretizados...)
- Esqueça. Não são 20 exemplares, são 300.
- 300, mamã? Mas nós não temos uma família assim tão grande.
- Filho, a partir deste momento, a tua mãe é escritora. Quem gostar do que ela escreve vai poder ter acesso aos livros.
E ninguém mais se lembrou do cancro,nem das dores, nem de adiar ou de desistir de sonhos. Isto foi em 2010. E está a correr tão bem. Muito grata.

(Conceição Sousa )

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O segredo?

O segredo?
Imaginar que amanhã não acordo - e pensar que talvez não acorde mesmo.
O importante?
Mostrar que te amo.
Porquê?
Porque quando o coração quer deixar de bater não avisa -
e quando bate sem querer,
também não avisa.
De que adianta guardar o segredo?
Não o quero, nem a este amor: é todo teu.
Fica com ele - já que não pode ser meu.
E, amanhã, é certo, não acordo.
Mas sei que amei e fui amada
todos estes dias em que acordei:
beijar-te.

(Conceição Sousa)

Sentiria falta, sim...

Sentiria falta, sim...
do gole de café que me trazes à cama,
com um beijo doce e um sorriso melancólico,
quase que a perguntar "ainda gostas de mim?"
Sentiria falta, sim...
do telefonema, algures, na rotina das horas,
do "então?que fazes?",
o abraço que não me larga
e o sussurro que em todas as palavras me diz
"quem me dera estar aí..."
Sentiria falta, sim...
do olhar inquiridor, na hora do jantar,
a inevitável questão "gostas?",
o amor que me acoberta do frio,
a paz resiliente que me despe de todos os luares.
Sentiria falta, sim...
de ti.

(Conceição Sousa)

Estares ou não

Estares ou não estares é-me indiferente,
totalmente.
No entanto, sempre que te peço,
como agora,
que me mostres o quanto me amas,
tens de o fazer.
Como o fazes não me importa,
mas tens de me abraçar, aí,
aconchegada,
contra o teu peito e,
durante uns segundos,
não querer largar.
Dá-me o que preciso,
para que possa continuar.

(Conceição Sousa)
 

a saudade não existe

Mesmo antes de o sabermos já nos dizíamos
"gosto muito de ti, guarda-me bem".
E, lembra-te, sei, de verdade,
o que é um sussurro teu,
um anuir teu, um passo de dança teu,
um olhar teu, um sorriso teu,
um degustar teu, um beijo teu -
roubei-os, e agora é tudo meu.
Não preciso de perguntar se gostas de mim.
E só os loucos bebem deste licor.
Venha ela, a chuva molha-tolos,
pois é lá que moramos, amor.
De cada vez que ela cai,
é a casa que regressamos.
A saudade não existe.

*


(Conceição Sousa)
 

cego e surdo?

Se fosses cego, o teu ouvido dir-to-ia sem hesitação: amo-te.
Se fosses surdo, os teus olhos inundar-se-iam com o nome mais à mão: amo-te.
Se estivesses anestesiado, a minha sombra deitar-se-ia sobre a tua aura e fariam o que não abdicam de fazer: amor.
Mas como me escutas , vês e sentes, amas-me pelo paladar: o trago de vinho vintage, quanto mais enterrado na solidão e humidade das catacumbas, melhor o sabor do que nunca se vai provar.
Mas eu digo, sem grande pena nossa,
é hora, névoas em êxtase de nós,
de se findarem e nos devolverem ao toque,
o nosso trono,
do corpo o lugar:
amo-te.
Ainda respiras,amor?

( Conceição Sousa)

bênção

É uma bênção a minha vida,
é uma bênção saber que me queres,
é uma bênção toda a entrega diária dos nossos tempos de sopro.
Grata pelo amor da tua essência,
grata por dares sentido à minha vida,
grata aos céus por te ter cruzado em mim,
gratidão e amor é o que podes esperar - até p'ra lá do fim.

( Conceição Sousa )

parque infantil

Era uma vez, um Sábado de manhã, num parque infantil...
e ela foi impedida de querer brincar,
"só podes olhar",
e ela respirou fundo, voltou as costas, e disse
" se não posso tocar, prefiro imaginar que os parques
ao Sábado de manhã não existem".
No Sábado seguinte, passou ao lado de um outro parque infantil -
e foi isso, como era Sábado, passou ao lado.

(Conceição Sousa)

acender a chama

Acender a chama é fácil...
o difícil é mantê-la, ali,
labareda mansa,
que alumia e aquece,
sem que nela ardas
nem nela te desfaças, ó cinza dança!,
brasa a carvão,
um lume que quase se apaga
mas, de repente, sorve
todo o oxigénio da tua boca
e te devolve a luz e o calor, ó movediço chão!,
na temperatura agreste do corpo
que sua e geme tudo o que é amor, meu coração.

(Conceição Sousa)

é com muita tristeza

É com muita tristeza que ouço nas notícias que a taxa de suicídio entre as pessoas de bem, vítimas desta política abraçada ao capital, aumentou exponencialmente. É por isso que a chamo de política criminosa. É com muita tristeza que percebo que o meu ensaio fictício, a minha reflexão demorada sobre as circunstâncias actuais (inscrita neste romance escrito em Julho/Agosto de 2011), se torna realidade. Não é preciso ser muito inteligente para perceber ao que nos conduzem estas insistentes escolhas políticas. Lamento todas as mortes que têm ocorrido, e ainda as que vão ocorrer, desnecessariamente. É tudo uma questão de vontade política, o tempo de um querer, o ensejo de olhar para as pessoas, o sacrifício de uma vida, que já pagaram a triplicar ( em juros) pelas suas casas e, agora, porque as colocaram em dificuldade, vêem-se obrigadas a desistir dos seus projectos, dos seus afectos, das suas memórias, ao entregá-las ao banco. Quem resiste a tamanho golpe?

apelo

Tenho a dizer-vos que todos os dias recebo uma notícia triste, uma notícia directamente relacionada com a política criminosa do nosso governo: alguém próximo que perdeu o emprego, alguém próximo que teve de emigrar, alguém próximo que ( por conta dos sucessivos cortes no salário ou reforma) não consegue pagar os seus compromissos, alguém próximo que está a passar fome, alguém próximo que não consegue pagar a conta da luz, da água, do gás, alguém próximo que perdeu a casa, alguém próximo que não conseguiu tratar o seu problema de saúde e, por isso, faleceu.
Digo-vos, de coração, a minha luta é visível, é diária ( como a de todos, suponho eu), e, por vezes, faltam-me as forças. Felizmente, ainda consigo buscar algum ânimo na escrita e espero que a escrita nunca me falhe.
Digo-vos, de coração, pois quando se tem um ( de verdade) o mundo abate-se sobre nós, resisto e luto o mais que posso, estou aqui p'ra mim e p'ra vós, espero que alguém desse lado, que se saiba mover entre eles, os políticos, os retire rapidamente do governo de Portugal, pois isto de nação já não tem é nada. E é este o meu apelo: tirem-nos imediatamente e urgentemente do destino de todos nós. Eu, por mim, faço o que sei: escrevo.

(Conceição Sousa)

Lembra-te

Lembra-te, lembra-te de como era no início...
lembra-te de como era quando não éramos vício,
lembra-te de como era quando nos entregávamos às palavras directas,
quando nos digladiávamos na berma do precipício,
quando nem sequer nos sabíamos tão próximos
e confrontávamos as nossas vivências como meros e desprendidos desconhecidos.
Lembra-te de como eram prenhes de estar aqueles diálogos escorridos de tons e cores e chama e sabores,
sem saber que o eram.
Lembra-te da ingenuidade com que nos vivíamos,
tão doces instantes de tudo,
a inocência de dois círculos que se tocam no perímetro,
beijam-se no perímetro,
e não se invadem com diâmetros e raios
e outras medições parvas de egos e circunstâncias incomparáveis.
Lembra-te de como te amava e tu a mim...
e eram tantas as palavras.
De repente, aconteceu:
o eixo magnético rodou,
a gravidade despenhou-se sobre nós,
o alerta consciente de que aquilo poderia ser amor...
e deixou de ser inocente, deixou de ser ingénuo,
fugimos, cobardes, de nós, do nosso delicioso instante.
Os círculos recuaram e ficou um imenso vazio, um imenso silêncio, uma imensa dor, um ininterrupto falar que dói, amor.
E é isto que somos: um ininterrupto silêncio que fala e dói, amor.
A melhor parte disto tudo é que ainda somos.
E, sim, não há como negar: é Amor - só porque não é outra coisa qualquer.
( E só porque eu insisto que continue a ser, será.)

(Conceição Sousa)

conquistar o coração

É tão difícil conquistar o coração das pessoas...
mesmo que destiles um rio de candura
e abras todas as tuas portas e janelas,
elas, as pessoas, não entram.
Cobre-as uma película vítrea de resignação e,
em torno do coração, há cristais de gelo,
experiências mal resolvidas,
que ofuscam o calor doce de fora com a espada de fel de dentro.
Uma espécie de aviso:
- Não entres. Deixei de acreditar. Estou bem. Não entres que me podes magoar.
É tão difícil conquistar o coração das pessoas

quando deixaram de acreditar.

(Conceição Sousa)

Quando escrevo

Quando escrevo, não há quem me consiga manter no chão, simplesmente porque não há "quem". Por muito que me esforce e treine o meu raciocínio ao dizer " da próxima vez que começares a escrever, vais forçar o pensamento a não desviar-se da tua rota factual, da tua realidade, e vais tocá-la, de vez em quando, enquanto escreves", até à data, não recordo um único segundo em que, depois de iniciado o processo de escrita, a gravidade da vida me prendesse à mesma. Entro numa espécie de amnésia transitória, só me lembro de ter pegado na caneta e de a ter pousado. Durante o acto, a anterior e a posterior àquela tinta que escorre da caneta evaporam-se. Depois do acto, uns dias mais tarde, quando vou reler, pergunto-me " Mas fui mesmo eu quem escreveu isto?" - é estranho.

(Conceição Sousa)

Perdoem-me

Perdoem-me se não lhes sei dizer por quanto tempo mais ficarei -
e toda a incoerência que me notam.
Afinal, sou apenas mais uma no mundo,
uns dias bem, outros mal, uns dias sem, outros vendaval.
Se, de repente, desapareço,
apenas te peço que me escolhas como bom momento (estado e sido),
e não me condenes por te ter dado tanto e depois me ter ido.

(Conceição Sousa)

persistência

Admiro a persistência dos persistentes.
Eu não sou assim para as coisas triviais -
apenas para o que, por certo, já chega
e para o que, por errado, é demais.

(Conceição Sousa)

Gostas de mim?

Preciso de quem goste verdadeiramente de mim.
Preciso de alguém que não me coloque no fim da lista, mas sim num dos lugares de topo.
Preciso de quem me tenha na lista - e em lugar cimeiro.
Preciso de quem sinta e saiba que, mesmo depois de me ganhar, pode, num instante, me perder.
Preciso de alguém que tema esse momento,
alguém que me conheça como as palmas do coração,
que não veja nas sucessivas cedências e oportunidades
a garantia do eterno ( mas sim o sossegar da consciência
de que tudo, mesmo tudo, foi tentado)
e que não duvide que quem tudo dá e entrega,
na hora da desilusão,
tudo tira e nega.
Preciso de alguém que me saiba conquistar todos os dias,
se é todos os dias que comigo quer ficar.
Na iminência de te deixar, querido,
no sempre e para sempre.

(Conceição Sousa)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Abandono

Quando sentir que já não mais precisas de mim,
abandono-te 
para resgatar a outra desabrigada, nua e desertada,
naquele sítio ermo,
bem lá atrás.
Se não for eu a socorrê-la,
sei,
não terá a sorte que tu tens:
a de teres alguém que
quando sentir que já não mais precisas,
abandonar-te-á.

(Conceição Sousa)

estalactite

Construímos o nosso elo descalço,
a caminhar sob estalactites.
Todos sabem que é uma questão de tempo,
quando se trata de alicerces num céu de gelo.
É uma questão de tempo.
A dúvida é saber qual dos lados quebrará -
onde surgir o primeiro calor, amor.

(Conceição Sousa)

Preciso

Preciso de quem goste verdadeiramente de mim.
Preciso de alguém que não me coloque no fim da lista, mas sim num dos lugares de topo.
Preciso de quem me tenha na lista - e em lugar cimeiro.
Preciso de quem sinta e saiba que, mesmo depois de me ganhar, pode, num instante, me perder.
Preciso de alguém que tema esse momento,
alguém que me conheça como as palmas do coração,
que não veja nas sucessivas cedências e oportunidades
a garantia do eterno ( mas sim o sossegar da consciência
de que tudo, mesmo tudo, foi tentado)
e que não duvide que quem tudo dá e entrega,
na hora da desilusão,
tudo tira e nega.
Preciso de alguém que me saiba conquistar todos os dias,
se é todos os dias que comigo quer ficar.
Na iminência de te deixar, querido,
no sempre e para sempre.

(Conceição Sousa)

Sabia

Sabia que não haveria momento igual aquele,
o instante em que uma mulher madura
percebe que um amor limpo -
de sua exclusiva escolha,
sem laços de sangue,
nem de vínculos,
nem de experiência de horas somadas,
ou de locais partilhados -,
um amor embaraçado,
acena o adeus no sorriso cerrado.
Sabia que, dali em diante,
de cada vez que o visse,
de cada vez que o lembrasse,
a lágrima funda da cumplicidade não se esconderia
perante aquele rosto,
e a mágoa na voz do silêncio
amordaçada no nó do tempo
embaciaria ainda mais a menina agigantada
por detrás dos olhos.
Sabia que aquela pessoa era a única
no vácuo da existência
a compreender quem ela era -
e a forma como se despiam,
em frente um ao outro,
até de pele,
mesmo com todos os agasalhos de inverno ainda no corpo,
de cada vez que se olhavam,
não permitia outra palavra
senão o gemido húmido e salgado do tempo:
sempre a lágrima.

(Conceição Sousa)

Expandir

Encontrei mais uma forma de não me sentir só.
Sorrio p'ra ti, sorris p'ra mim,
criamos laços.
O acordo é não esperar que tu sejas o que quero que sejas,
é deixar a vida fluir, é ser como se não estivesses aí,
é ser como se fosse só - e só.
O sol continua a beijar-me nos olhos todas as manhãs,
a lua persiste no esconderijo do manto a carvão
que me pinta as noites por debaixo das pálpebras
com o abraço do até breve no aconchego do cobertor.
E tudo se arrasta, tudo se abraça, tudo se estende
e expande -
se quisermos que se estenda e expanda.
É bom saber que nos temos,
que conversamos,
mesmo nos nossos silêncios -
principalmente nos nossos silêncios.
É bom saber que estás aí
só porque estou aqui.
É bom viver - e só.

(Conceição Sousa)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

resgatar

Quem não tem tempo a perder, vai aos sítios.
Só para se certificar de que, por ali, não é.
Uma vez na vida, acontece o impensável -
e volta-se com a plena certeza de que era mesmo por ali.
Aí, é o tempo que se perde de nós,
deixa de haver segundos, minutos, dias, horas, meses, anos...
e passas a haver tu.
A sensação que tenho é a de que o tempo me engoliu
e devolveu a tua pessoa à existência a dobrar.
Estarei, algures, num sítio que nem eu sei...
e alguém, que não tem tempo a perder, há-de lá ir me resgatar.

(Conceição Sousa)
 
*

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Patrulha da neve

E há aquele tipo de gente,
estrelas cadentes,
à procura daquele alumiar,
daquela faísca cintilante
que os devolve à saudade de infinito.
Em cada ser que tocam,
e se demoram,
semeiam a centelha da dádiva,
implantam o rastilho vigilante da luz,
libertam o sorriso da gratidão
e criam elos, um após o outro,
a corrente dos que conhecem o amor.
E há aquele tipo de gente,
meteoros,
pela rapidez com que caem e se despedem ,
sem, no entanto, se entregarem por completo ao pó.
Todos em redor percebem o seu magnetismo,
a sua radioactividade cósmica -
talvez por isso evitem de lhes tocar,
mas contagiam-se de tal forma que nem se apercebem
cristais a amar.
Chamo- nos anjos da guarda ,
a patrulha da neve,
o divino colar.

( Conceição Sousa)


*

verme

Mais uma vez, pensei que eras tu
aquela pessoa linda que trazia cá dentro.
Mais uma vez, me enganei.
Mais uma vez, à distância de um relógio de água,
há algo cá dentro que amarga:
como pude de um verme gostar?
Nunca amaste o verme, querida.
O que amaste foi essa pessoa aí dentro: tu.
O que amas é essa pessoa aí dentro: tu.
És feliz, e nem o sabes.
Ao verme? Esquece-o.
Nem todos no mundo conseguem te acompanhar.

(Conceição Sousa)
Porque não se deve domar um único impulso de luz na vida -
e garanto-vos que algures, em vós, as minhas palavras terão o poder de um reencontro.
Sejam muito bem-vindos!
 

zeros à direita

Interesses perversos, almas descaracterizadas, mentes manipuladoras convertidas à ganância pela doença do século - o olho agigantado face ao capital -, contagiam tudo em redor com tentáculos de chantagem, corrupção e temor. É preciso que saibam que nos querem conformados e subservientes, nós, os escravos, nós, os metecas pagadores de impostos, e, com jeitinho, nós, as mulheres, fadas do lar. Voltámos ao conceito de cidadania da Grécia antiga? Cuidado! O que será que os governos da actualidade entendem como cidadão? Os velhos? Não. Convém que morram. Mais entra no bolso do rico que rouba ao pobre. Os doentes? Não. Convém que morram. Mais entra no bolso do rico que rouba ao pobre. O Português? Não. Convém que emigre - e, já agora, que mande para cá o pastel. Mais entra no bolso do rico que rouba ao pobre. Venham os velhos e doentes capitalistas estrangeiros. Esses já têm o terreno devidamente desocupado para entrarem e se instalarem neste pedaço de chão benzido por sol, terra e mar - um paraíso fiscal ( quem diria?). Nós, os números, deixámos de ser sangue que ferve e corpo que abraça. E eles, as pessoas, passaram a ser venerados, sendo que a maior invenção árabe foi o zero. Muitos à direita. Mais entra no bolso do rico que rouba ao pobre.

(Conceição Sousa in " Folhetim do Português Sem Sopa, Mas Ainda Com Boca")

chinelos


Se um dia acordares e sentires que a vida não gosta de ti,
respira fundo,
senta primeiro na cama,
dirige-te ao chuveiro
( nem precisas de calçar os chinelos. Sentes o gelo no chão? És tu no chão. Levanta-te! ),
deixa que a água te benza,
passa a toalha bem devagar
( vês como te sabe mimar? É quentinho , não é ? ),
olha para a porta sem medo,
está na hora de a abrires.
Olha como é linda a vida,
e há um sol que todos os dias te convida:
vem,
vem comigo,
eu sei como te amar.

( Conceição Sousa )

*

fósseis


Qual deles, universos paralelos, escolho?
Qual delas, vidas cintilantes, percorro?
Nem sempre o estrato debaixo de é dispensável...
há fósseis e rochas radioactivas a comprovarem-nos o chão daquela era,
extinta em espécie e massa,
sabe-se lá por qual cataclismo.
E as fendas recortam estratos,
as falhas golpeiam o trabalhar do tempo,
mostram-nos
que é sempre bom ajudar os filhos a estudar,
pois, de repente, lá sai um poema a deslizar à deriva,
uma espécie de pangeia fragmentada
a mover-se no magnetismo das placas tectónicas
que encaixam e desencaixam, também icebergs,
sempre ao som de um sermão, amor.
Corais? O eterno vestígio da tua passada. De todas as cores o rubro ainda é a mais amada.
Ai de ti se não passas mais esta prova com excelência! Dói-me a garganta. Raios partam mais esta fenda. Tão belo este caminho. É só uma a porta, como vês.

( Conceição Sousa)

*
Não tenho cor política, tenho cor de gente.

(Conceição Sousa)

às vezes

Às vezes sentimo-nos sós,
às vezes o cansaço cobre-nos de cobertor,
às vezes quem deveria estar não está,
às vezes o tempo estica,
às vezes o tédio anestesia,
às vezes ouvimos um sussurro,
a cada dia mais próximo do nosso ouvido, e pensamos
" é p'ra mim? estás a dizer-me que sou bonita?",
às vezes sorrimos a quem passou a estar e não estava,
às vezes choramos porque quem estava deixou de estar
e o sussurro afinal não era ao nosso ouvido,
às vezes voltámos à apatia,
às vezes dormimos sem saber porquê
e acordamos sem saber ao quê,
às vezes quem tinha ido volta,
às vezes o tempo voa,
às vezes o sussurro sopra numa voz diferente,
às vezes a vida ensina:
o sol nasce e põe-se todos os dias;
a primavera, o verão, o inverno e o outono revezam-se a cada ano;
a chuva molha sempre;
a lágrima sabe o caminho de cor e o sorriso está lá na meta.
Às vezes, assumimos a vida, tal como ela nos é -
mas, mesmo que não a assumamos, ela é na mesma.

(Conceição Sousa)


*