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terça-feira, 14 de julho de 2015

Humanismo



Há um caminho que parte do mundo insiste em seguir. Um caminho que nos entrega ao ego, à ganância, ao poder e nos exclui da partilha, do que somos e do que conseguimos, com todos os outros. Há Homens que lutam pelo que todos somos, que percebem a fragilidade da vida e conseguem ser altruístas ao ponto de saber ceder nas próprias convicções para que todos possamos não ser ainda mais sacrificados. Actualmente, na Europa, temos um Schäuble, que representa o que chamo de "abocanhamento" de tudo o que é material, essa parte do mundo a que me referi, de quem até saliva por mais poder, e temos um Alexis Tsipras, que pertence ao segundo tipo de Homens, os que não abdicam dos valores humanistas: do respeito por si mesmo e ao próximo, da bondade, do amor fraterno, da coragem, do desprendimento do supérfluo financeiro. Desde tempos muito antigos que uma parte do mundo só anseia dominar todo o mundo;desde tempos muito antigos que uma outra parte do mundo dói-se pelo sofrimento de todo o mundo e reage, rebela-se, com coragem, força, inteligência, por amor à vida, à sua e à de todos os que lhe são próximos. Essa parte corajosa do mundo começa sempre por ser pequena, começa por um, sempre por um, mas a força de um espírito - quando todos os outros sentem que já estão mortos, por isso mais vale lutarem por viver - contagia, e como qualquer contágio que se preze, é veloz e eficaz. Há-de haver mais sofrimento, mais pesar, mais mortes, mas a História ensina que quando damos as mãos e nos doemos pelo bem de todos, não há Schäuble que possa vencer a luta por uma vida digna no seio das comunidades. Se fosse um elemento do Eurogrupo,pensaria muito bem antes de decidir continuar com a política de austeridade direcionada a todo um povo, a vários povos. É uma questão de tempo para a sublevação dos povos. A História ensina. É tão óbvio o caminho, já trilhado antes, que aí vem que até dói. Sou mãe. Não consigo sentir alegria dentro de mim. Só uma vontade enorme de continuar a lutar para que possam os meus filhos um dia vir a viver com dignidade e alegria. A minha luta é esta, com as palavras. Sei que a sociedade é injusta, sei que uns vivem com mais, outros com menos, outros com nada. Por mim, viveríamos todos com as mesmas condições e, bem partilhado, ninguém passaria fome, ninguém morreria às portas dos hospitais, ninguém sentiria vontade de pôr uma corda ao pescoço. Quem me conhece, sabe que sou assim. O que consigo ganhar, partilho. E rodeio-me de pessoas, felizmente, que também sentem da mesma forma, por isso as partilhas também entram na minha casa. Entre nós, com esta história da austeridade, é pouco, mas vamos sobrevivendo. Conseguimos que ninguém tenha ficado sem casa, sem luz, sem água, sem gás, sem medicação, sem comida, sem carinho, sem companhia. Era tão mais fácil se este espírito existisse entre as gentes de um mesmo povo, entre povos. Reformulo: o espírito existe nos povos, não existe é nos seus líderes, que provavelmente os enganaram para conseguirem liderar. Era tão mais fácil se o poder estivesse realmente nas mãos dos povos. E está: é uma questão de tempo, e de muito sofrimento entretanto.

Livros de Conceição Sousa

sábado, 11 de julho de 2015

No fim não há o verbo

Ofereço palavras, umas atrás das outras,
nem sempre com gente perto,
às vezes, muitas vezes, só para os meus dedos,
os meus olhos, e um outro tempo, talvez...
penso que é isto que nos distingue dos seres inanimados,
esta vontade desesperada de comunicar.
Talvez também eles se façam dela - e nós ainda não tenhamos
descoberto o canal da sua recepção. Já que, entre nós, seres que desesperam por comunicar, raramente se assista à sua compreensão, raramente se escute um desespero diferente do nosso.
Porque somos tão focados num só indivíduo?
Porque desesperamos por comunicar e só escutamos o nosso próprio umbigo?
Deus deu-nos o dom da palavra para que nos consigamos libertar do nosso ego,
e só encontraremos o sentido da vida quando abraçarmos o nosso silêncio e soubermos escutar o silêncio do nosso irmão.
No fim de tudo, não há o verbo: esse só atrapalha.
Quem me escuta?
Eu, ainda, não sei escutar ninguém.


Conceição Sousa

quarta-feira, 1 de julho de 2015

artesã

Quero dizer que estou aqui, hoje, sempre tranquila no epicentro da tempestade. Só porque a vida é tão efémera que de nada nos vale perder um segundo que seja com um mau sentimento. No entanto, lutar, lutar sempre para que todos tenham, no que depender de nós, as melhores condições de vida. Haja um a precisar de pão que me terá ali na palma da sua mão. Se não precisar, terá na mesma. ( Verdade seja dita.) Caso a feche, num acto de soberba, não prenderá o meu caminho, antes o afastará para um outro destino. Sou artesã de um só gigantesco ninho.

Conceição Sousa
É a rotina que o segura aos dias. O fogo perdeu-se algures nas costuras. A cola arrasta-se dos sapatos às veias, mas perde a força ao chegar ao coração. A vida existe para o acordar todas as manhãs, o aquecer nas bermas do entusiasmo e o adormecer do frenesim da dor. A vida escorraçou-o para os braços da morte mas o sopro não se resigna e consome, teimosamente, toda a aragem de mais uma madrugada. Se a sente é porque veio. Se veio é porque é dele. Se lhe pertence, há que fechar os olhos e amar. Amar é ser amado - mesmo que por uma breve aragem na madrugada.

Conceição Sousa

Alívio

Às vezes, os sustos voltam, só para redefinirem prioridades. Este voltou e já foi. Alívio. A vida é bela. Tudo o resto é acessório e assaz de importante na sua insignificância. Há que saber sentir o tempo: com o corpo que é teu, a alma que te confidencia, o afecto de quem te presta atenção e a natureza dos dias e das noites que ama a tua natureza sem que o saibas. Consegues sentir? A grande paz? Sê feliz, nessa comunhão que te pertence e à qual te entregas. A maldade só te consome se tu lhe deres guarida e conversares intimamente com ela. Se a não deixares entrar, ela não se instala. Se insistir em segurar-te o braço e caminhar contigo, sorri-lhe e devolve em dobro todo o teu paciente amor. Olha que podes! Podes mesmo! Só tens de te focar no corpo que é teu, na alma que te confidencia, no afecto de quem te presta atenção e na natureza dos dias e das noites que ama a tua natureza sem que o saibas. Todos os teus sentidos andam distraídos. Se parares um pouco, fechares os olhos, escutares com redobrada atenção, uma subtil aragem eriçará a tua penugem e tu perceberás o calor da energia universal a amar-te. O arrepio é quando tu sentes e devolves todo o amor que te dão. E uns pingos de chuva, uma brisa a maresia ou até uma simples música podem desencadear essa partilha energética. Quem precisa da mesquinhez dos Homens?

Conceição Sousa