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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

os primeiros passos

Os primeiros passos...os primeiros passos...
até aí consigo ir, e as lágrimas sobem ao canto dos olhos, lá do fundo, lá de longe, dos primeiros passos, as palmas do meu pai "anda, anda", e eu, cambaleante, ai, ai, "anda, anda", mais palmas, ai, ai,
vou cair, segura-me pai!,
e os braços do meu pai, do meu pai ajoelhado, do meu pai sorridente,
conseguiste!,
e as lágrimas abundam nos meus olhos, nos... olhos do meu pai,
os primeiros passos, a primeira (?) sensação de vitória,
tenho de perguntar à minha mãe quando dei os primeiros passos,
mas vou mais longe, quero ir mais longe, quero chegar lá bem mais ao início, a primeira fala (?), está difícil...
recuperei o momento dos primeiros passos,
e não imaginei que lá conseguisse chegar,
e as lágrimas abundam nos olhos,
o meu pai de joelhos, sorriso no rosto e braços abertos
e eu fui.

Conceição Sousa

verdades inabaláveis

Aqui não há verdades inabaláveis. O que é hoje, amanhã pode já não ser. O importante é saber isto, estar disposto a observar, a reflectir, e a não reter a mudança, caso ela clame por nós. O melhor dos seres humanos é o que se dispõe a assumir os erros quando se dá conta que errou, é o que se dispõe a corrigir o mal que causou quando percebe que é da sua mudança que o mundo precisa - e não o oposto: esperar do mundo a mudança.
Já errei muito, continuo a errar, a reflectir, a assumir, a dispõr-me a - e é por isso que a mudança continua a acontecer.
Uma coisa é certa: o que sei hoje e serve hoje, não sabia ontem e não serviu ontem, e também não servirá amanhã, pois amanhã serei, com toda a a certeza, uma outra pessoa, uma pessoa melhor do que a pessoa melhor que sou hoje.

Conceição Sousa
Se há algo que é constante em mim, desde que me lembro deste mim,
é a constância tranquila com que a música afaga a melancolia, com que a música destrava as lágrimas, com que a música me devolve o sorriso.
E tu danças comigo.

Conceição Sousa
Coragem? Sabes o que é mau mesmo? Sabes o que é mesmo, mesmo, ilícito? Sabes o que aterroriza mesmo, mesmo? Os olhos comiserados da doença, o golpe traidor e agoniante da morte. A tudo o resto chama-se vida, e a vida - embora penses que dói - não dói, abraça-se. A vida abraça-te sempre, mesmo quando te dói, porque é a vida, amor: é a vida. Vida. Deixa-te de pieguices e corre atrás dela.

Conceição Sousa

discurso ininterrupto

Comunicar é uma necessidade tão básica e essencial que nunca o deixas de fazer, mesmo quando pensas que por estares calado não falas. Falas sempre, falas constantemente, no fluir contínuo do pensamento, sem lábios, sem língua, sem cordas vocais, sem timbre de voz para os outros, mas com timbre de vós para ti mesmo. "Está frio", "Magoaste-me", "Que bem que me soube esse abraço", "Sai-me da frente, pá", "Vai ver se estou na esquina", "Aleluia, percebeu, até que enfim", "Tão lindos que eles são, "Que orgulho ser tua mãe", "Obrigada, meu Deus, por estas almas que trouxeste até mim", "Obrigada, meu Deus, por me teres entregado a esta gente tão boa", " Fazes-me muito feliz"...
É um discurso ininterrupto e contínuo, quer as palavras alcancem a fronteira da boca quer não.
"Não me faças mal, pois eu só te quero é muito bem. Amo-te."

Conceição Sousa

cores do céu

se há momento a que não resisto
são as cores do céu,
ai, as cores deste abençoado e chuvoso céu,
que me apanham sempre na derrocada
do que não interessa mesmo nada,
me prendem o rosto entre monções...
e sopram todos os beijos do infinito
na tez do que quer que seja que eu tenha
acreditado ser triste.
e é aí que eu ouço
"triste é não perceberes que estás"
e é aí que as lágrimas queimam,
a língua abraça o sal,
e tudo me sente um gigantesco lampião sorriso
" sim, percebo, estou, meu agasalho lindo!grata por
mais uma vez, mais uma vez a querer e a aprender a amar."

Conceição Sousa

sem palavras

Posso nem te dizer uma palavra, mas isso não significa que não me entristeça por ti nem me alegre por ti - muito mais até do que muitos outros que te dizem palavras atrás de palavras e mais palavras... Quem não te diz palavras pode nem existir, mas sentir? Sentir é, é sempre: com ou sem palavras. Sentir não se ordena, não se comanda, não se camufla nem se apaga: com ou sem palavras. Sentir é - até que deixa de ser aquele sentir, até que venha outro sentir, até que...mas nunca até que se comecem as palavras, até que se continuem as palavras, até que se acabem as palavras. Sentir está até que deixa de estar. Sentir fica até que deixa de ficar. Sentir é até que deixa de ser.

(F)


 Conceição Sousa

sábado, 18 de janeiro de 2014

39*

Estive a comparar um recibo do meu salário de 2010 com o recibo deste mês. Em 2010, começaram por retirar-me o abono dos meus filhos. Depois vieram os cortes de 3,5% e alterações nas retenções na fonte e para o subsistema de saúde da ADSE. Neste mês, aplicaram a taxa de 11, 08% de corte no meu salário. Estamos em 2014, era suposto haver uma evolução na carreira, fui avaliada com excelente e muito bom, fiz inúmeras formações ( que todos os docentes obrigatoriamente têm de fazer na carreira). Tenho uma situação precária, porque tanto posso ser colocada perto como longe de casa - e sem qualquer ajuda de custos. Entretanto, subi de escalão e, vejam só, levei um corte de 300 euros mensais. Medidas que deviam ser transitórias tornaram-se permanentes e a luz ao fundo do túnel desapareceu. Tenho trabalho, felizmente. Mas algumas das minhas contas não podem ser pagas porque há um apetite ditador voraz no coração do meu patrão. Assumi compromissos que não vou cumprir porque nunca me passou pela cabeça que pudessem, aleatoriamente e unilateralmente, retirar-me direitos tão suados. Não haver perspectivas de carreira, traz-me uma grande perplexidade e a questão "deixei de saber quem sou". Todos os cálculos, todos os sacrifícios na infância, na adolescência, na juventude, enquanto adulta, meus e da minha família ( uma humilde), deixaram de fazer sentido. É tudo tão aleatório. E quem, como eu, aprendeu bem a lição da democracia, do direito ao reconhecimento do esforço, do mérito, do direito à prosperidade ( consagrados na Constituição) fica boquiaberto " deixei de saber quem sou". E quando se perde assim a identidade, tudo se desmorona. Se abalam os nossos alicerces, o elo de confiança cidadão-estado, anda tudo ao acaso, do avesso. Ou se tem sorte ou se tem azar. E isto não é vida para quem sempre acreditou no valor do trabalho e na prossecução de objetivos. Levo muita fé de que a Justiça funcione e o Tribunal Constitucional reponha os alicerces da Democracia: o elo inquebrável de confiança entre o cidadão e um Estado de Direito.
Um Estado que é capaz de tratar desta forma tão "sem palavra de honra" o seu cidadão é um Estado que não merece a confiança de ninguém. E até os Mercados devem perceber isto.

Conceição Sousa

40* nascer


De que adianta consumires-te até ao torcer das tuas entranhas pelo que vives ou não vives, pelo que mereces ou não mereces, pelo que te revolta ou arrebata, pelo que queres ou não te querem? De que adianta todo esse temor, cálculo, aflição, hesitação ou rejubilação? De que te adianta, se numa bela manhã deixas de saber se é bela ou se não é? Se, de repente, ele decide fechar a cortina e tu já não estás?
E é precisamente este instante de desconhecido, o som da guilhotina a mover-se ( é agora?) que solta a fragrância da vida em ti, a rasgar pelo ranger da janela entreaberta da eternidade.
Quando nasces és o morto, a ser devolvido em cada pequena descoberta à vida.
E, a cada década que passa, ascendes a novos patamares de encontro com o divino, com a explicação de ti. A cada queda, a cada perda, a cada desilusão, a cada derrota, conheces um pouco mais do caminho para a tua felicidade, despes-te um pouco mais da pele morta com que nasceste e uma nova vida acerca-se de ti: a mesma, mas mais desperta, mais sentida, com chaves que abrem cada vez mais portas de luz - em cada negrume de poço fundo em que te lanças ( e os poços fundos mais não são do que a tua inexperiência, a tua ignorância perante o que conheces pela primeira vez - talvez porque não te lembres que já por ali andaste? -, a tua inaptidão de principiante ou de amnésico).
Quando, finalmente, estás pronto para morrer, na verdade, é quando a vida ( a de verdade) começa. Não sentes que , a cada fase que passa, há uma preparação? Não sentes que, a cada lugar que chegas, já lá tinhas estado, várias vezes no antes, mas em pequenas doses de transição ( quase como uma vacina?) ? Não sentes que há algo bom, muito bom!, à tua espera? Não sentes que é cada vez mais tranquilo? Não sentes, apesar de toda a dor, de todo o sofrimento, de todo o desalento, não sentes, meu amor?
Estamos quase, quase, a viver!

Conceição Sousa

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Só aquele que é incansável na busca e na prática da sua verdade pode sentir que cumpriu a vida.

Only those who are restless in the search and practice of their truth can feel they have fulfilled life.


(F)


 Conceição Sousa

Não podes impedir-me de te amar como o sol ama a terra. Se o sol gostaria de ser amado de volta? Gostaria. Mas não é por o não ser que deixa de iluminar e aquecer.

You cannot prevent me from loving you as the sun loves the earth. If the sun would like to be loved back? Yes, it would. But the fact of not being loved back doesn't prevent it from shining and warming all there is.


(F)


 Conceição Sousa

pequenas mortes

Contabilizei três pequenas mortes, uma na infância e duas já adulta. Será que já é suficiente para me sentir verdadeiramente viva?
Logo na primeira percebi que de tudo o mais o que importa mesmo é a saudade: do sol, do vento, da chuva, do restolhar das folhas no chão e das fragrâncias da Primavera. E poder sentir tudo isto, mais uma vez. O bastante para me sentir feliz. No início da adolescência, já era detentora de uma imensa sabedoria - assim me abençoaram as dores da infância. E o sorriso não mais me largou.
As outras duas pequenas mortes só aconteceram porque, infelizmente, o ser humano tem memória curta. E eu não sou excepção.


(F)


 Conceição Sousa

rasteiro

Ele espera e, se ela decide ir embora, dá meia-volta, resignado, e vai à vida dele. No dia seguinte, regressa ao local, à mesma hora, e aguarda... Ela ajoelha-se e faz-lhe uma festa, ele morde-lhe as mãos, ele lambe-lhe as mãos e segue-a, rasteiro, p'ra todo o lado. Quando ela chama, salta-lhe para o colo e procura lá o conforto de um destino encontrado: dorme.
Não pede, não exige, não ordena, aguarda... aguarda que o amor chegue e descansa quando encontra.
Às vezes recebe muito, às vezes recebe pouco, outras vezes nada recebe, mas está sempre lá, naquele local, àquela hora, na entrega incondicional de todo o seu ser, de toda a sua vontade. É o que é - e não disfarça: tudo o que faz na vida é ansiar pelo amor dela e descansar no seu colo.


(F)


  Conceição Sousa


entranhas

Isto de estar vivo é um doce mistério.
Que a vida sabe exactamente onde nos levar, não tenho a menor dúvida. Um enigma, cujas peças estão ali, desde sempre, à vista de todos, e que os jogadores, que desconhecem as regras do jogo, vão desvendando, passo após passo.
"Eu já estive aqui! Como não consegui perceber..."
Vi um autocarro passar; vi-o do de fora, agora perto dos quarenta, um autocarro que já não via há décadas e, de repente, vi-me, do lado de dentro, ainda criança, ainda adolescente: entranhas que olhavam pela janela e me observavam.


(F)


 Conceição Sousa

sorrir

Eu podia passar a minha vida a ver-te sorrir,
beijar-te-ia muito ao de leve
para que não acordasses
e o teu sorriso me guardasse nos teus braços
e dormisses comigo para sempre. 


(F)


Conceição Sousa

ternura

Deus abraça-me pela ternura dos teus olhos - e tu nem sabes que o trazes dentro de ti.
 

(F)
 Conceição Sousa

enrolava-se

Ele enrolava-se no ventre dela; bordava, de pálpebras cerradas e rosto torcido, o novelo de ambos nos lençóis acetinados. Ela acobertava as lágrimas, ah dóis, e gemia as travessuras tricotadas em torcicolos de ternura. E até as almofadas intumesciam quando todas as quebras se erguiam. A colcha: nossa.

(F)


 Conceição Sousa

fúria

Toda a minha fúria se esvai quando o meu amor se encontra na tua dor. E não descanso até que sejas amor - mesmo que eu continue a ser dor. E a fúria nunca fica quando se sabe o caminho de cor, quando há muitos caminhos e é urgente trazer muita gente de volta: ao caminho.

Porque cada vez menos sabemos quem somos - mas um caminho nunca nos é estranho, desde que insistamos em caminhar.


(F)


 Conceição Sousa

homem bom

Certo dia, pedi muito a Deus que um homem bom se atravessasse no meu caminho. Deus não me ouviu: atravessou-se no meu coração, um homem -
que creio ser o próprio Deus.


(F)


 Conceição Sousa

monopólio

Não gosto de monopólios, não quero monopólios, odeio monopólios.
Quero, sim, poder dizer que sou tua amiga -
porque o sinto, porque o sou, só não o digo. Sou expansiva, e?
Porque o sentes, porque o és, só não o dizes. És temerário, e?
Porque sinto que, se o disser, alguns dos outros não o irão entender
e tu sentir-te-ás monopolizado, aterrorizado e infeliz.
Porque não me mereces, sabes?
Porque os melhores dos amigos não se desistem
e porque Deus assim quis.
Mas, acredita, é isso que somos: os melhores dos amigos, os que abdicam.
Tu, por cobardia. Eu, p'ra te dar força e te sentir ainda mais feliz.
Os melhores dos amigos, lembra-te, os melhores dos amigos.
Com a graça da literatura e da maturidade da vida - a minha, claro.
E os melhores dos amigos comungam sempre de uma paixão:
seduzem-se, beijam-se e concluem que só fazem disparates,
que o sentir não é aquele,
que há música, sim, dançada a dois, no âmago do tempo,
e perdoam-se quando percebem que é de irmãos o desalento.
E nunca se desprendem da mão.
Lembra-te, os melhores dos amigos,
são os que sorriem no coração. 


(F)


Conceição Sousa


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

dor funda

Quando se quer adormecer
assim
uma dor tão funda -
adormecer, sim,
uma dor
que se sabe sem fuga.
Quando se tem de adormecer
assim
uma dor tão funda,
nasce um génio....
Há um génio,
mais génio ainda,
quando a dor é da infância,
quando se tem de matar
a dor
com ininterrupto trabalho,
com invenção cor-de-rosa
e urgência criativa
de lá,
do berço.
Quando se adormece
assim
uma dor tão funda,
o génio não dorme,
o génio cala as noites
ao maquiá-las de dia,
o génio é indomesticável.
Percebes agora
por que nunca me derrotarás?
Há uma dor
bem funda
a ser embalada no meu colo.

Conceição Sousa

aguarda...

Ele espera e, se ela decide ir embora, dá meia-volta, resignado, e vai à vida dele. No dia seguinte, regressa ao local, à mesma hora, e aguarda... Ela ajoelha-se e faz-lhe uma festa, ele morde-lhe as mãos, ele lambe-lhe as mãos e segue-a, rasteiro, p'ra todo o lado. Quando ela chama, salta-lhe para o colo e procura lá o conforto de um destino encontrado: dorme.
Não pede, não exige, não ordena, aguarda... aguarda que o amor chegue e descansa quando encontra.
Às vezes recebe muito, às vezes recebe pouco, outras vezes nada recebe, mas está sempre lá, naquele local, àquela hora, na entrega incondicional de todo o seu ser, de toda a sua vontade. É o que é - e não disfarça: tudo o que faz na vida é ansiar pelo amor dela e descansar no seu colo.

(F)

  Conceição Sousa


Eu disse-te...

Eu disse-te que não era fácil
dizer que te amo,
não sabes?,
no brilho que de meus olhos se soltou,
não viste?,
e sorriste.

Eu disse-te que não era fácil
escrever assim o teu nome,
não leste?,...
nas letras que somei e apaguei,
contaste?,
o sangue que escorreu de tinta,
e sentiste.

Eu disse-te que o meu amor é grande,
tu sabes,
e que não há um no tempo,
tu sentes,
que se entregue assim ao que existe,
não queres?

Eu disse-te...


(F)


 Conceição Sousa


36* estou farta; não baixo os braços.

Eu, que li tanto, mas tanto, mas tanto, autores portugueses e estrangeiros. Eu, que os estudei, com tanto vigor, culturas diversas, ancestrais e contemporâneos, de outros mundos e conterrâneos. Eu, que abdiquei da infância, da adolescência, da juventude, bisbilhotei bibliotecas, confrontei-os amiúde, escrevi teses e ensaios, esgotei de tanto amor e até desmaios. Eu, que me rebelei e queimei tudo, confronto-te agora, meu carrasco do tempo, o ditador de circunstância:
- Mas quem tu pensas que és p’ra me condenar à demência?
Se há voz que aprendi a escutar foi a minha em cada lugar, em cada destino de busca, em cada registo de época, em cada alma poeirenta e tísica mas firme, porque de estada definitiva na folha de café esborratada.
- Mas quem tu pensas que és p’ra me condenar à demência?
E se há voz que encontrei em Pessoa, Torga, Espanca, Saramago, Nietzsche, Kafka, Brecht, Schiller, Shakespeare, More, Shelley, Yeats, Poe foi a da verdade que é nossa, do íntimo, ainda que nos cause devassa.
Irrompo, sim, por ti adentro, hipócrita “Scrooge” do tempo. Não. Não me amedrontas com as tuas palavras supérfluas e banais, sem voz de honra nem respeito pela humanidade dos demais. Sou a “Mutter Courage und ihre Kinder” ( mãe coragem e as suas crianças), o “Wilhelm Tell” da maçã certeira, o Frankenstein sem eira nem beira que acredita no criador e na faúlha da vida, a Juliet à espera do Romeo, a Pecadora que se Confessa, o Caos de tantos eus dentro, a placeba Melancólica e dorida de quem escuta a minha voz, o inevitável “Se” que não se quer, a toda a hora e instante, a Utopia tão perto e tão longe, o Relógio que não da torre mas do coração, a Terceira Idade sentida na experiência do chão e o confronto de infância com a Morte: em vida, não: nunca!
Podeis vir, com esses discursos falaciosos, essa arte de bem falantes, esses espíritos injuriosos. A mim não enganais, só a vós, tristes arraiais.
Vivemos um tempo em que as gentes de bem são torturadas na sua existência. Há um grande capital prenhe de ganância e uma democracia no precipício da falência. Há um parlamento podre nas teias com que se cose; corredores de interesses menores e testemunhos abafados num contágio de rabos presos; elites ameaçadas por inteligências informadas, educadas, um 25 de Abril, lá longe, que acena a derrocada.
- Mas quem tu pensas que és p’ra me condenar à demência?
Se alguém esbanjou o que não devia não foi a classe de trabalhadores: foi sim a elite de corruptos condutores. Quereis agora duplicar o vosso crime e condenar o inocente?
Sabei que a literatura não mente: desperta para a vida e não consente.
Estou farta; não baixo os braços. Há, em mim, todos os Gandhis, Mandelas e Martin Luther Kings. Deixai de ser hipócritas e assistir a funerais quando provocais mais moribundos nos demais.
Exijo condutores de genuíno coração, e que todos os outros condenados sejam por crimes contra a humanidade. O parlamento existe para representar o cidadão e não para servir a divindade.
Tira a meia da cabeça, que mais não é do que uma arrogante gravata, e devolve o “Robin Hood” à história, uma bem contada e não alterada para fins de acta.
Devolve a vida ao trabalhador porque sem ele não há capital. Escravos não seremos e combateremos com palavras e actos tudo quanto nos queiram fazer de mal.
- Mas quem tu pensas que és p’ra me condenar à demência?
Mais do que eu não és com certeza, pois se Deus te deu o dom da vida, a mim deu o dom da clareza. Tiremos ambos as vestes e vejamos onde reside a beleza.
Pelo direito à vida e à dignidade.
Com a força e a fé de Deus, havemos de vencer. Ámen.
Porque, acredita, não estamos sós.
Conceição Sousa