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sábado, 31 de dezembro de 2011

Há pessoas.




Há pessoas desviantes do que tu és; há pessoas condizentes com o que tu és - mas ninguém é como tu és; há pessoas. É certo que umas não olham a meios para atingir os fins - só porque os seus fins são o que pensam ser a vida: perdoa-lhes. Por certo, conseguirão ser felizes - supõe-se... também é certo que há mais pessoas ainda a abdicar dos fins (esses que deixam de ser vida) em prol dos meios, e das belíssimas almas que encontram nos trajectos - isso, sim: é vida. É certo que nos cruzamos, a toda a hora, mais à frente ou mais atrás; vacilamos perante a novidade - que quando deixa de ser novidade é verdadeiramente vista -, azedamos face à rotina (que ao ser esvaziada do que é -rotina-, deixa uma saudade de morte - da própria rotina), comunicamos nas nossas mais diversas formas de ser e de estares. Também é certo que a essência - a verdadeira essência -, essa: não muda. Pode , a dada altura, adormecer deslumbrada de si própria; ou, até mesmo, acordar eufórica num outro patamar (que não o seu), mas, na verdade, não muda. Quem o diz? O tempo. O tempo, se lhe deres tempo, diz-to : bem na tua cara. E ainda bem. Os meus votos de um bom retorno a ti próprio - e àquilo, ou ao alguém, que te faz verdadeiramente feliz.
(Conceição Sousa)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

o amor que (des)conheço



Não conheço o amor de pai,nem tão-pouco o amor de mãe...
a vida assim o quis - que não os conhecesse;
mas conheço o amor da vida -
esse, que fez com que eu acontecesse.
O amor que, todos os dias, me rasga a alma,
no raio de sol que espreita e me penetra, logo pela manhã;
o amor que, a toda a hora, me lambe a pele,
de pata ofegante no ar, junto ao sofá;
o amor que, sem perda de tempo, me molha o corpo,
ao escutar as lágrimas que caem do Céu;
o amor que, a cada segundo, me gela a tez,
no beijo que entra pela frincha da janela,
e me faz gostar de mim (assim),
tal como Deus me fez.

(de Conceição Sousa)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O lado de fora

Habituada que estou a olhar para dentro
mal noto o que vai do lado de fora
embora pressinta que neste momento
é tida a vontade e dela se fez hora.
Levantem-se as pálpebras bem devagar
percorram andando neste silêncio
são épocas para mim a olhar
segundos marcados no tempo.
Figuras de alma entrelaçada
papel em mudos retratos
sussurram baixinho...não são ouvidos.
Parecem outros, dizem algo
que não compreendo e é importante
murmuram lá longe, ecoam distante.
Vida própria reclamam -o dedo
apontam à minha presença.
Exigem voltar lá, é sua a sentença.
Tantas as vozes que me observam...
Receio seus rostos, tenho medo.
O nada vagueia neste quarto
emite o som do desassossego
nos livros letras borbulham
anseiam a página aberta
aguardam sua vez de contar
a história, que não lida, é deserta.
Bonecas de porcelana altivas
escondem tristeza no espartilho
chapéus emplumados em destreza
combinam ao requintado vestido.
Reclamam um baile encantado
numa época de pura etiqueta
exibem no cabelo ondulado
a aura da original vedeta.
O menino de braços abertos
oferece o espírito da paz
a senhora de manto lilás
com ele mantém conversa
e o baú fechado desperta
memórias em cheiro de pinho
embora pareça acorrentado
em tempos provou o vinho
da liberdade em pano amparado.
Apenas dois quadros na parede
o epicentro desta vã realidade
seguram-se às iniciais contidas
unidas pela voz do abade.
O frio começa a apertar
as sombras a segredar
por ora chega de olhar
para o dito lado de fora...

(de Conceição Sousa)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Há uma linha de vida



Há uma linha de vida (boas, más, mais ou menos boas e más experiências)
que nos leva a algum lugar.
Há uma linha de vida (de sorrisos, de choros, de gargalhadas, de lágrimas,
de disparates e de loucura, de serenidade e comedimento)
que nos conduz àquele lugar.
Há uma linha de vida traçada, compreendida pouco-a-pouco,
sonhada, perdida, reencontrada, desistida, resgatada,
que nos coloca, com precisão, naquele ponto específico.
Há uma linha de vida solitária, partilhada, escondida, mostrada,
sofrida, cantada, que nos traz (passo a passo, receio a receio, arrojo a arrojo,
alegria a alegria, tristeza a tristeza, vitória a vitória, derrota a derrota,
dor a dor, celebração a celebração, furor a furor) a este estar - o de agora.
Saboreia o que tiveres de saborear. Ama o que tiveres de amar.
Dá-te, em vida, na tua linha de vida: dá o que tiveres de dar.
Há uma linha de vida que tem de continuar: as de morte acabam por,
na linha de vida, se acabar: ficam onde têm de ficar ( lá: no passado);
e servem para o que servem: a linha de vida fazer avançar.
Há várias linhas de vida, dentro da tua linha de vida, que te acenam e te sorriem.
Há várias linhas de vida, dentro da tua linha de vida, que te acompanham e orientam -
muitas vezes, de tão aliciantes, até te fazem sofrer,
sem no entanto da principal linha te levarem a perder.
Há várias linhas de vida, dentro da tua linha de vida, que te beijam e te abraçam
(dizem um "olá" e , de imediato, acenam um "tchau");
não percorrem contigo a tua linha de vida: desistem-te;
mas marcam para sempre um sorriso no teu coração - até àquele ponto finito de luz:
o início da escuridão ( ou doutra coisa qualquer por dentro da visão)
(de Conceição Sousa)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

estas letras



estas letras são feridas contadas vertidas

na ausência com que, sufocado, me gritas;

são chagas caladas nas mãos vestidas

pelo silêncio com que me cortas os calos;

são sulcos despidos de tinta lacrada

no toque vadio de sangue no estar;

são irrefutável prova de vivência

na decadência do sempre que dorme sem par.



estas letras são lágrimas caiadas de branco

no espaço vazio por entre o negrume dos símbolos;

são marcas indeléveis de água sem espelho

na verdade escondida do mundo;

são passos atrevidos renegados na ousadia

suada entre a vida e a morte: hora;

são proibido arfar e choro arrastado

da alma vítrea- que em ser amada se demora.



estas letras são fio constante da navalha

no peito o encalço do crente amor;

são coragem vencida na cruz desistida

de amar-te, senhor: ai! que dor!

são poço de mágoas contidas no ar denso

que atravessa todos os ríspidos desertos;

são monção contínua, avalanche de terra crua

na cascata dorida do coração que te sente perto.



estas letras são, na minha vida, oração ao tempo

e, fora dela, sentida entoação: pedaço de ti em mim:

rasgo do momento.
(de Conceição Sousa)

Dois

Não me falas – e, ainda assim, sei que me amas.

Não me tocas – e, ainda assim, sei que me choras.

Não me crês – e, ainda assim, sei que me gemes.

Não me vês – e, ainda assim, sei que me queres.

Não me marcas – e, ainda assim, sei que me sentes.

Não me sabes – e, ainda assim, sei que te dóis.

Dois – ainda assim, é o número que nos sei agora,

antes e depois: dóis-me.

Sei que, algures, no tempo –

entre um espaço que, por não se mover,

se move,

e um ar do Criador que, por não se mostrar,

se mostra –

tu e eu seremos nós: dóis.

O nós, que nos sei, não será a sós.

Não será só “ch”,

não será só silêncio.

Será infinito de palavras na alma,

o eu acompanhado do tempo,

de Deus momento: verdade no sentimento.

Amo-te, em mim, seres meu, e em ti,

com o devido tempo: dois sem véu.
(de Conceição Sousa)

Queres?

Queres mesa? Não há pão

nem dinheiro que aguente a despesa.

Queres banho? Não há água

nem trabalho que fortaleça o rebanho.

Queres roupa? Não há tecido

nem emprego que o faça ao despido.

Queres posto? Não há firma

nem patrão que te tire o desgosto.

Queres saúde? Não há corpo

nem compressa que obedeça de graça.

Queres luta? Não há espírito

nem arremesso que ta barre: confesso.

Queres paz? Não há sossego

nem vivência que te brinde nessa cedência.

Queres sucesso? Não há obra

nem caminho que to permita de sobra.

Queres amor? Não há alma

nem vontade que o traga perante tanta dor.

Queres vida?

Quando tudo o que vês e sentes é existência perdida?

Faz-te: na adversidade.

Faz-te ser que se exige dono do seu tempo.

Faz-te alma no agora de si:

destemida verdade no recorte do momento.


(de Conceição Sousa)

Ao alcance

Tenho sempre aquela sensação
de que estou a viver uma vida
que não é minha;
e, por muito que faça,
não consigo agarrar a minha vida de verdade.
Vejo-me, ali, ao meu alcance -
não compreendo porque é que ela
(tão bonita, tão meiga, tão inteligente,
tão ponderada, tão insana, e tão amada - dizem)
não consegue ser feliz:
não consegue sentir-se em sintonia com a sua vida.

(Conceição Sousa)