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terça-feira, 19 de março de 2013

boa mãe

Espero ser uma boa mãe para os meus filhos.
As boas mães são as que pisam
a todo o instante
o caminho da dolorosa verdade.
Por muito que a verdade seja dolorosa,
pisar o caminho da mentira
é uma verdade duplamente dolorosa:
por quem vive a mentira
e por quem é ensinado a vivê-la.

*


(Conceição Sousa)
 

esquecimento

É no silêncio que te ocupo todo,
é nessa presença de realidade com cobertura de esquecimento
que te digo a paz de mim, o amor que me mereces,
a felicidade que me rastejas.
Doo-me, sim;
até na máxima contenção de palavras e gestos
para que me penses e sintas distante -
e assim bem mais próxima de ti.
Não te quero afunilado num turbilhão de incongruências.
Quero-te liberto, a preservar uma qualquer felicidade.
Eu sorrir-te-ei sempre.
Nuns dias serei um raio de sol,
noutros um fio de gelo -
sempre chama a arder-te na alma, a queimar-te na pele.
Mesmo quando pensas que não me sentes.

*


(Conceição Sousa)

realidade incomportável


Quando a realidade é incomportável,
Deus abre todas as portas,
e a mente alcança o inexplicável.
O humano toca as extremidades do divino,
defesa à dor, cascata de espanto,
portal que nos transporta para uma sintonia de tudo,
um equilíbrio sóbrio,
um deslumbramento difícil de aceitar
porque não cabe na rotina dos homens.
Mas a linguagem do acaso e das coincidências adensa-se
e, num período habitualmente curto,
a comunicação com o outro lado acontece.
Todo o simbolismo da natureza, de repente,
transforma-se em respostas
e passamos a ver algo mais na simplicidade do habitual:
numa melodia, numa fotografia, num número,
num encadeamento de palavras,
num acenar de folhas, num assobio de ventania,
numa forma que se desenha quando soltamos uma pedra no lago,
num aroma familiar, num padrão, numa textura,
num nome que foi atribuido a alguém
e , de repente, consubstancia-se em mensagem de poder.
"Tala", o ritmo dos deuses, é testemunho dessa realidade incomportável
e da abertura fugaz desse elo de comunicação com o inexplicável.
E o que é a criação, afinal?
Será realidade ou não?
Gosto de pensar, ou melhor, prefiro pensar
(porque penso que o senti- e não terei sido caso único)
que o divino está bem aqui, bem próximo do humano,
bem dentro do humano.

*

(Conceição Sousa)

beijo

Há algo que me suga em ti.
O mesmo algo que te transborda em mim.
E sempre que nos abandonamos ao âmago da não-matéria,
é inacreditável a massificação de fluídos.
Donde raio virá tanta humidade?
É a maresia o sabor do teu beijo tépido.

*


(Conceição Sousa)

anel

O anel é apenas o espaço onde te hibernas de ti -
só o que dorme passa a sentir.

*


( Conceição Sousa)

traição?

Nunca me perdoaste a traição?
Não foi traição, meu amor.
Foi demarcação de território.
Da minha pele para dentro, mando eu.

*


(Conceição Sousa)

ombro

A maior das tragédias
é sentirmos que não há um,
um só, que nos escute.
Não me tires o teu ombro -
é a única parte do teu corpo
onde as nossas almas se respiram,
onde lágrima e sorriso são um só nó. 

*


( Conceição Sousa)
 

quem irei eu amar?


Por muito que te sintas
Esquecido,
Mal amado,
Mau amante,
O traste sem perdão,
Lembra-te:
Saber-te aqui, junto a mim, é a razão do meu viver –
E eu não mereço morrer, sim?
Se me desertares,
Quem mais irei eu amar?
Se te fores,
Onde encontrarei eu forças para um abraço em tantos outros?
Se partires,
Como irei eu beijar em redor se a humidade se agarra aos meus olhos?
Serás aquele que não terei mais próximo de mim para amar
E – como qualquer um dos outros –
O vazio do teu rosto em lágrimas no meu peito,
Esse desabafo oco por dentro do meu abraço,
Esse toque a deserto no meu afago,
Essa ausência de voz para o meu beijo,
Tornará os meus dias mais tristes.
Porque não sabes, mas és como o sol –
E nem o sol é perfeito:
Abandonas-me todas as noites,
Mas sei que voltas todas as manhãs;
Brilhas nos cantos do meu sorriso,
E queimas os sonhos que te digo;
Aqueces-me a alma que te pede;
Mas ofuscas-me a visão se teimo na tua direcção.
E tu, tal como o sol, não és perfeito,
Apenas naquela certeza de que vais mas vens,
E estás até que chegue a minha vez de ir.
Um traste sem perdão, sim; mas a razão do meu viver:
Algo a que posso chamar de amor,
E é por ti que vivo,
Existo para te amar.
Percebes agora porque não podes me deixar?

*
 (Conceição Sousa)


desaparecer

O pior que podem fazer é ignorar - mas não a mim.
Dói, é certo.
Mudo, inevitavelmente, de pessoas.
Daí em diante só pode correr bem.
Nunca fui uma desistente, a longo prazo;
mas, no imediato, desisto de muita gente.
Desde que não desista de mim, está tudo certo.
Desistir de mim seria desistir de quem me quer muito bem.
Desaparecer não significa desistir de mim.
Desaparecer significa aparecer noutro lado -
e tentar de novo com outra gente.
 

*
 (Conceição Sousa)

decidir

E, citando a ideia de uma obra de Saramago (mais ou menos),
imagina como seria se resolvesses passar a fronteira...
é que no teu país não se morre,
mas no meu pode morrer-se à vontade -
e quem morre, várias vezes, por amor
lambe-se na vida.
Imagina se quisesses passar a fronteira da tua língua
e conhecer a minha.
E isso também se aprende.
O quê? Traduzir?
Não, parvo. Decidir.

(Conceição Sousa)

quarta-feira, 13 de março de 2013

A realidade?

A realidade?
Conheço-a muito bem, muito obrigada;
mas não gosto.
Se fui abençoada com a capacidade de criar,
por que não domesticá-la?
Isso, sentadinha, aí.
Tchiu! Caladinha.
Quem manda na minha felicidade sou eu.

(Conceição Sousa)


*

Ama-o, porque é teu.

Deus existe, sim.
E tu tens ciúmes de Deus, porque ele conhece o meu amor e tu não.
O que não te disse ainda é que Deus é uma mulher.
Eu e o meu entendimento de Deus só podem ter sido gerados pelo que eu conheço,
pelo que sou: uma mulher.
E essa mulher existe, sim.
Essa mulher é linda.
Essa mulher é divina sempre que abre os braços p'ra me acolher,
para acolher todos quantos conheço e me conhecem.
Essa mulher ensina-me, todos os dias, a percorrer mais uma etapa,
a respirar mais um amanhecer, a agradecer mais um entardecer.
Essa mulher presenteia-me com tudo o que eu quiser,
porque se eu quiser sorrir, eu sorrio;
se seu preferir chorar, eu choro;
se eu quiser voar no sonho de uma criação rara, eu voo, deslumbrada,
e nem p'ra baixo olho.
Essa mulher dorme no meu sentimento e acorda todos os colibris
quando o sinal vermelho me pinta a passadeira,
quando aquele som contínuo dispara o negro do abismo.
Essa mulher conhece o meu sono
e, embora já me tenha acenado algumas vezes o adeus,
regressa sempre de lágrimas no colo:
"Deita aqui o teu desespero, é água benta, minha filha.

Sente como é fresca e te ressuscita.
Vai. Inspira-te e aos teus.
Vai. Sente-me, ao teu amor, em ti, o teu Deus.
Não queiras prever o amanhã.
Tudo o que tens é o instante. Apaga o restante.
Abraça-te, sem demora.
Estás. És: o Deus que conheces, o que decide o aqui e o agora.
Sorri a cada pequeno detalhe, a cada rotina de vento, a cada sabor a momento.
E ama-o. Ama-o. Ama-o sem jeito. Ama-o sem a dor.
Ama-o, porque é teu.
Ele crê em ti, só tens de o agarrar."

(Conceição Sousa)


*

há dores

Há dores que se entranham na nossa rotina,
qual fechar húmido de estores,
qual abrir lento de amores...
cavam o voo dos que se encolhem
no espaço tolhido da resignação.
Há dores tão necessárias
que sem elas nunca saberíamos a doçura
do que estando já deixa saudade.
E todos os nossos sentidos amadurecem na dureza de muitas dores.
Correm atrás de cada pausa do instante;
seguram o tempo de uma cor, de um tom,
de um sabor, de um escutar, de um toque a acabar,
de um aroma de mundo só nosso -
a despedida lenta num sorriso de gratidão.

(Conceição Sousa)
 

segunda-feira, 11 de março de 2013

E eu amo-te

Se não for para te amar, isto a que chamam vida não o é.
E eu amo-te, em cada alvorecer, em cada crepúsculo lento de mim.
E eu amo-te, primavera dourada, recital titubeante de auroras e hortênsias e demoras.
E eu amo-te, inverno ribombante, troar rabugento de uivos lacrimosos e soluçantes.
E eu amo-te, outono indignado, argumento de vacilos, demover ensandecido em cada crepitar extinto.
E eu amo-te, verão pantominado, arfar meu que articula um fogo obstinado e certo.
És aroma a caxemira;
és sabor a limão e mel;
és visão de oriente, incenso mudo;
és cântico tibetano,
és toque de gente,
o insano que sente.
És meu estar,
louvor a Deus,
na arte de amar.
E eu amo-te, e eu vivo-me.
E vós, que nos sabeis,
mergulhai em vossos amores,
em vidas que se amam,
em estares sem leis.
Na minha lápide, escrevei:
"Viveu, feliz, para amar
e morreu feliz e amada -
e fez por que continuassem a senti-lo,
ao seu amor."
Agora diz que não me amas.

(Conceição Sousa)


*

a cor dos meus olhos

A cor dos meus olhos fere-me de cada vez que olho o meu reflexo.
E isso é estranho.
Tenho sempre a sensação de que essa cor não é a minha - não é a mim que pertence.
É uma estranheza que dói, sim; de todas as vezes.
No entanto, não deixa de me envolver numa espécie de superior serenidade,
algo felina, algo proscrita -
como se me questionasse de cada vez o porquê de ousar fitar aquele olhar.
"Sou eu em ti, mas não és tu este eu.
Sou eu em ti, para que te lembres de quem sou e me veneres.
Sou eu em ti, para que sintas que fazes parte de algo maior.
Sou eu em ti, não me queiras ver a olho nu.
Protege o humano, a luz difusa, da origem.
Repara: não és tu apenas quem não consegue fixar o teu olhar."

(Conceição Sousa)


*

Cheguei

Há-de chegar o dia em que o amor não fugirá mais de mim.
Não porque não continue a fugir,
simplesmente porque me impedirão de alcançá-lo.
Mas nesse dia não haverá ponta de remorso no meu coração,
apenas a plenitude de ter lutado a todo o instante
por te ter alcançado, amor.
Cheguei.

(Conceição Sousa)
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

pranto fugaz

Por vezes dizemo-nos as maiores das barbaridades
num pranto fugaz
vindo ( sabe-se lá de onde?)
num segundo de dor espinhosa
que esmaga a dureza do chão quebrado
e se afunda no âmago do que somos.
Mas isso não quer dizer que não te ame de morte
e p'ra vida, meu amor.
Abraça-me,
agora que nos calámos.
Eu sei que me gostas -
e sabe sempre tão bem esse beijo de paz.

(Conceição Sousa)


*

múmia


Por que me deitaste num leito temperado de sal e sono
e deixaste que as águas ocupassem o espaço do teu abraço?
Agora queres fazer amor com um glaciar à deriva, uma raíz decepada
a hibernar no lago dos moribundos.
O clímax do teu desejo fumega
na carcaça inerte da alma desprovida de nome,
a múmia petrificada no escudo do teu cansaço incógnito,
a seiva que transbordou o corpo
e cobriu de toque o vazio do teu beijo doce.
Quem te marcou
esse querer, suor meu?

(Texto: Conceção Sousa)

*

abandono

O certo seria:
aqueles olhos tão ternos
que nos receberam e acompanharam,
que nos olharam de cima e em baixo ficaram,
poderem levar-nos pela mão até ao fim -
e entregarem-nos ao sono
sem nunca sentirmos a derradeira sensação de abandono.
(F)
(Conceição Sousa)


*

berlindes

Eu queria embalar as tuas luas,
bordá-las num colar ao peito,
para que nunca a sua luz se soltasse
em berlindes por outros universos,
e te abandonasse nas trevas, meu filho,
de um estar vazio de mãe.
Coloco-te este colar, com as minhas próprias mãos,
só visível para nós,
os nossos sonhos, que ainda bordo,
nas letras com que remendo as brechas do teu coração:
amor de mãe, calor de pai, amparo de irmão.
Segura-te, meu filho, à corrente de vida,
o luar da família, a sagrada união.

(Conceição Sousa)


*

o abismo

Às vezes, contemplo o abismo...e penso em recuar trinta e nove passos, páro. Inspiro... e penso em correr, correr, correr, correr até que me falte o ar...aí, nesse instante, fecho os olhos, e sinto-o, ao voo. É tranquilo.

(Conceição Sousa)

bati no peito

Bati, no meu próprio peito, sim;
bati, com a força de mil cavalos, bati;
bati, enquanto encostava o meu rosto ao teu,
te olhava nos olhos e via quem tu, de verdade, eras;
bati, no meu próprio peito, sim;
várias e repetidas vezes, bati;
bati na minha cegueira, enquanto te gritava no rosto,
ao fundo de mim:
- Fica a saber: há algo que se quebrou cá dentro.

(Conceição Sousa)


*

humano no amor

Por aqui, como se vê (e sente), há quem tenha nascido (e somos muitos) para amar. E não há invólucro que consiga suster tamanho rebentamento. Há fissuras que se abrem por toda a economia: o amor verte-se em cada rasgo de contenção; o amor explode em cada fenda de artificial; o amor, que é da natureza das pessoas, contrai os juros da ganância, abespinha os gráficos do egoísta, abraça o humano; o amor, que trouxe à vida cada pessoa (no acto de o procriar, no ventre de o criar, na mama de o cuidar, no sono de o sonhar) ergue-se no alicerce de o ser, desde sempre: o amor. Por aqui, como se sente e sabe, como se sente e somos, não há outra via que não seja esta: a do âmago, a do nu, a do que só é aquilo que é porque ninguém impõe ao que é aquilo que não pode inevitavelmente deixar de ser: amor ao humano e humano no amor. São as pessoas que ordenam aos números e não os números que amam as pessoas. Atreve-te, bebé esquecido de mama de mãe, a impôr mais austeridade de leite a quem, como é do senso comum, precisa de sentir em todas as fases da vida a teta do amor...

(Conceição Sousa)

imensamente feliz

P'ra que saibas: sou imensamente feliz.
E sempre consegui ser: imensamente feliz.
Não. Não há qualquer poção mágica.
É simples.
Todos os dias me levanto com um sorriso,
porque sei que farei tudo ao meu alcance
para colocar um sorriso no rosto de todos quantos por mim passam.
E todos os dias me deito com um sorriso nos lábios e no coração,
serena e preenchida,
porque consegui fazer tudo quanto pude
para colocar um sorriso no teu e no meu rosto, meu irmão.
É um sorriso que se sente, não?

(Conceição Sousa)

açoite

Por muito que a vida te açoite, não te resignes.
Agarra tu no chicote,
põe fim a esse estar que conheces,
e recomeça noutro lugar -
num lugar desconhecido, sim; mas diferente.
Não receies o que não conheces.
Receia, sim, o que conheces
e que, por conheceres, te subjuga.
Decide.
É só um instante: decide procurar a tua felicidade.
Podes até nunca a encontrar,
mas garanto-te que o abandono da infelicidade te fará sorrir.

(Conceição Sousa)

mortos a brincar aos vivos

As pessoas desistiram-se de o ser: pessoas.
Já nem sequer ousam uma aproximação,
uma entrega, a doação de si.
Temem - temem? não será o melhor conceito, vá;
pois quem perdeu aquele brilho no olhar
já não teme nem deixa de temer -
que o sorriso seja aquilo que é: o sorriso;
ou que a lágrima seja aquilo que é: a lágrima;
ou que o abraço seja aquilo que é: o abraço; 
ou que o bejo seja aquilo que é: o beijo;
ou que o amor seja aquilo que é: o amor.
Passam umas pelas outras
na rua, no café, no trabalho,
no prédio, no autocarro
e fingem que os olhos não são aquilo que são: olhos;
e fingem que a boca não é aquilo que é: boca;
e fingem que a voz nasceu para fingir que é silêncio.
Passam umas pelas outras na internet,
observam-se, lêem-se,
criam uma rotina diária de transeuntes
e continuam a fingir que os dedos não são aquilo que são: dedos;
que o coração não sangra, nem o sangue corre, nem a alma aquece.
Continuam a inventar mil formas de comunicar para se tocarem
e, no final, não se manifestam.
Chego à conclusão de que somos mortos
a brincar aos vivos.

(Conceição Sousa)


*

acidente de percurso

Fui um agradável acidente de percurso na tua vida.
Considera-o uma bênção -
porque o foi: uma bênção.
Mas esse breve interregno de ti,
no instante divino de assunção de mim,
acabou.
Serviu um propósito maior.
Falta saber se o saberás merecer.
A seu tempo.
Estás por tua conta.
Já não é aí que estou -
apenas o que de mim ficou: e é tanto...

(Conceição Sousa)

há almas maiores

Há almas que são maiores que tu,
maiores que eu,
maiores que tudo,
maiores que o amor -
porque são origem e fim em si mesmas;
giram no tempo;
a cada idade se doam e retornam,
meros transmissores do sítio de onde vêm e para onde vão,
do sítio onde sempre são:
dádiva, verdade, transparência,
entrega, comunhão.
E não há palavra, em língua alguma, em tempo algum,
que consiga ser fiel
ao que pretende representar esse gesto
de estender a mão em humildade e afago,
esse gesto de te beijar e ser beijado, amor.

(Conceição Sousa)

pelo ouvido

É pelo ouvido que língua te toca, névoa de lugar incerto.
É pela pele que arrepias caminho e me dizes, a mim que a habito, o tacto da tua palavra.
E no sopro em que me assaltas o suspiro, aguardas uns segundos, gemido hirto. E eu pergunto-te, sustida nas bocas abertas, em qual fundo está a origem do eco:
- Onde estás que não te chego, habitante de todo o lado?

( Texto: Conceição Sousa)


*

 

E o mundo não soube como respirá-la. / And the world didn't know how to breathe her.

parvo

Se és parvo, fútil, arrogante, nojento, faz-nos um favor: mata-te.
E renasce nos meus braços conhecedor do tão quão somente és: humano.
E renasce nos meus beijos, humilde em senti-los: cordão umbilical.
E renasce na humidade dos meus olhos, semente bem regada, palavras prenhes de saudade e amor.
E renasce no meu suor, sangue consciente do que és: uma vida, tão somente isso, uma vida entre muitas outras vidas -
enterradas, sofridas, sentidas, amadas, colhidas, plantadas, sonhadas, idas.
Percebes agora, com precisão, batida de coração?

(Conceição Sousa)

mesa de café

É como se estivesse numa mesa de café,
a conversar contigo.
Sabes que te escuto,
sei que me sabes.
E as horas vão se passando...
sem que nos apercebamos.
É uma conversa sem fim.
Cai a noite, e continuamos a falar,
fecha o café, e continuamos a sorrir,
amanhece na calçada, faz frio
mas nem o sentimos,
e as palavras continuam por ali fora,
abraçadas, atentas,
presas nos olhos que as devoram.
Posso dizer que és meu amigo, sim.
Obrigada.

(Conceição Sousa)
Adoraria poder abraçar-te,
nem que fosse uma única vez,
sem exemplo, nesta vida.
Terei tido uma vida incompleta se não acontecer.

(Conceição Sousa)
 

Podes levar tudo.

Bem vês, como suo,
diariamente,
para que todos em meu redor possam sorrir,
simplesmente sorrir.
Bem sentes,

como o sou,
desprendida de tudo,
afecto colhido e entregue: mero transmissor.
Bem escutas,

como anseio a tua compreensão,
fé no acaso construída,
a partilha do teu abalo.
Juro que, mil vezes, tentei

não ser assim,
fugir ao que sou, a este mim,
e resguardar-me no egoísmo de uma mão fechada -
até porque me é difícil aceitar

todas as provas tão injustas pelas quais me obrigas a passar.
Mas não há remédio.

No clique da decisão, é sempre a mesma
a escolha:
podes levar tudo, irmão.

Com ou sem sorriso,
podes levar tudo.

*


(Conceição Sousa)