Ouço vozes! Ouço vozes constantemente. Umas exigem, outras choramingam, outras lamentam-se, outras gritam e berram e discutem e praguejam e blasfemam. Ouço vozes, caramba! Todos os dias, a todas as horas, a todo o instante. Vozes que reclamam, que insinuam, que seduzem e apontam e desconversam e massacram e contestam. Ponho os fones. E percorro as vielas da minha cidade. Há uma magia qualquer na música que impede as vozes de estar. Intimidam-se. Não se aproximam. Nem sequer sussurram. A música protege-me. A música embala todas as vozes e elas adormecem. A música pacifica os espíritos. É certo que, às vezes, se abrir os olhos, há aquela senhora que rasga a fúria do seu olhar na minha direcção "tira os fones!", ou aquele velhote que me aponta o caminho para a esquerda "tira os fones!", ou aquele menino que sorri de forma sarcástica "tira os fones!", ou aquele cão que esgaça os dentes "tira os fones!", ou aquela planta que se atravessa nos tornozelos "tira os fones!", ou aquele vento que me empurra para o outro lado "tira os fones!", mas eu cerro as pálpebras, sento-me num banco de jardim e faço por sentir a chuva a amaciar-me a pele.
(Conceição Sousa)
(Conceição Sousa)
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