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quarta-feira, 10 de julho de 2013

22* Sou rapariga simples

Sou rapariga simples, sim, cá, dos sinos que vertem nas campas das aldeias;
tenho criação humilde, sim, no coração das espigas rubras que fogem aos bois;
vento o temperamento do norte, crua nas cascatas íngremes do que suo.
Há a criança descalça na brincadeira poeirenta das auroras temperamentais aos crepúsculos frívolos;
há as mãos minúsculas que carregam às amas o sono dos irmãos, a aquecer o caminho da reguada na escola.
E sorrio as sopas de vinho ao pequeno-almoço da infância no colo da avó;
e afago a cebola em azeite na calçada de bairro gorgolejante de crianças vadias;
e orgulho-me do cântaro à cabeça a transbordar de afecto senil,
um trapézio de treino equilibrista num pano humedecido de lágrimas que, ainda hoje, me serve de escudo aos deslizes da vida.
Sou rapariga simples, sim, cá, nestas guerras do tempo -
um ocaso construído, passo a passo, sol a sol, gota a gota, peso a peso,

nas escolhas ponderadas de um fio louro solto ao mundo.
E orgulho-me de ter sabido tomar conta de mim - e de todos os outros.
Assim se faz um humano que nunca aceitou ser deitado ao lixo

urbano.

Conceição Sousa

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