Quero escapar à frieza. O hábito entranha-se na alma como a humidade se agarra à esponja. O âmago enche-se de um líquido espesso e cresce ao ponto de uma saturação gelada. O familiar passa fome e tu comes da fome que te olha. O amigo sente frio e tu sentes do frio que te cerca. O vizinho perde a cor para a doença e tu perdes a dignidade quando olhas para o lado. O desempregado verte as lágrimas e tu vertes a ostentação de cada vez que te cruzas com ele no elevador quando vais... trabalhar. Entras na frutaria e alguém sofre por te ver entrar na frutaria e por saber que não pode comprar uma peça de fruta. Entras no hospital e alguém sofre por te ver entrar no hospital quando sabe que não pode amenizar a dor da sua doença porque não consegue pagar a taxa moderadora. Entras no teu emprego e alguém sofre por te ver entrar no teu emprego porque precisaria de ter um emprego , um modo de subsistência, e não há forma de o conseguir.
Quero escapar à frieza, sentir nos afectos que vêm de longe a infância de um toque de humanidade. Quero espremer o meu coração e vê-lo derramar a humidade ingénua de quem não se esquece da origem e do comum. Somos sangue, todos sangue, todos rubro, todos com as mesmas necessidades básicas, o mesmo fôlego, o mesmo ímpeto, o mesmo calor, a mesma fome, a mesma sede, a mesma carência no encalço de um amparo, um simples conforto: uma palavra. ( um silêncio.)
Quero manter-me humana. Quero ser digna de ter nascido humana. Quero ser digna de um dia morrer com este dever de humanidade cumprido. (Reg.)
Conceição Sousa