Carta a um companheiro errado, na esperança de que ainda haja tempo para mim:
Amei-te com dedicação, amei-te porque quis, porque tive vontade e sentia-me feliz quando cuidava de tudo em redor para que pudesses sentir-te ainda mais feliz. Nunca esperei gratidão, sabes? Até sou daquele tipo de pessoa que fica sem jeito quando lhe é tecido um elogio ou quando alguém solta em palavras o que, a todos os momentos, os olhos já haviam dito " Sou-te tão grato...". Nunca, nunca, esperei gratidão, sabes? Amo, porque amo, porque sim, porque o oposto de amar ou o vazio de amar não encontra espaço em mim. Amei-te muito, durante longo tempo, e com sincera dedicação... mas não suporto a ingratidão, abomino essa má fé, essa linguagem do corpo de quem desdenha quem sempre lhe quis e lhe fez bem. Tudo morre dentro de mim quando me lanças o olhar envenenado de quem esperou mais ainda e remoeu o fio de nylon que faltava; de quem teceu no esquecimento agro o prazer rendilhado de décadas felinas no encalço de uma lingerie tão de afável negro quanto de condenável rubro. Tudo morre, morreu, dentro de mim, sabes? E é ingratidão, sim. Não tenho de continuar a amar-te, ouve...não tenho de continuar a amar-te. E tu não tens de continuar a olhar-me de um inferno ao qual faço questão de não pertencer. Vai, tu, mais o teu inferno, vai... mesmo que penses que o teu inferno sou eu e tudo o mais que tu ainda querias e que eu, porventura, não sabia que querias e não consegui te dar. Não amo para que me sejas grato, já to disse, mas também te implorei que não suporto essa fome de mais, esse rosto tolhido pelo fel do que ainda querias de mim, essa mágoa cega e ingrata de quem nunca perguntou "Estás bem?", de quem nunca respondeu ao amor com o peito aberto e o sorriso franco de um "Não te preocupes...eu estou aqui, atento a ti". E à ingratidão magoada, a minha única resposta é o silêncio resignado e a total falta de dedicação.
Conceição Sousa
Amei-te com dedicação, amei-te porque quis, porque tive vontade e sentia-me feliz quando cuidava de tudo em redor para que pudesses sentir-te ainda mais feliz. Nunca esperei gratidão, sabes? Até sou daquele tipo de pessoa que fica sem jeito quando lhe é tecido um elogio ou quando alguém solta em palavras o que, a todos os momentos, os olhos já haviam dito " Sou-te tão grato...". Nunca, nunca, esperei gratidão, sabes? Amo, porque amo, porque sim, porque o oposto de amar ou o vazio de amar não encontra espaço em mim. Amei-te muito, durante longo tempo, e com sincera dedicação... mas não suporto a ingratidão, abomino essa má fé, essa linguagem do corpo de quem desdenha quem sempre lhe quis e lhe fez bem. Tudo morre dentro de mim quando me lanças o olhar envenenado de quem esperou mais ainda e remoeu o fio de nylon que faltava; de quem teceu no esquecimento agro o prazer rendilhado de décadas felinas no encalço de uma lingerie tão de afável negro quanto de condenável rubro. Tudo morre, morreu, dentro de mim, sabes? E é ingratidão, sim. Não tenho de continuar a amar-te, ouve...não tenho de continuar a amar-te. E tu não tens de continuar a olhar-me de um inferno ao qual faço questão de não pertencer. Vai, tu, mais o teu inferno, vai... mesmo que penses que o teu inferno sou eu e tudo o mais que tu ainda querias e que eu, porventura, não sabia que querias e não consegui te dar. Não amo para que me sejas grato, já to disse, mas também te implorei que não suporto essa fome de mais, esse rosto tolhido pelo fel do que ainda querias de mim, essa mágoa cega e ingrata de quem nunca perguntou "Estás bem?", de quem nunca respondeu ao amor com o peito aberto e o sorriso franco de um "Não te preocupes...eu estou aqui, atento a ti". E à ingratidão magoada, a minha única resposta é o silêncio resignado e a total falta de dedicação.
Conceição Sousa