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domingo, 18 de março de 2012

A lupa e o binóculo.

Quando me dizes - não dizendo - que estás farto de mim... eu já o sei, amor. E acredito que estejas (pois também eu já o estou- farta de mim: deste mim em ti). Acabou. Tudo acaba quando não acaba porque só acaba (mesmo!) o tudo a que é dado um fim - pelo tempo ( pela morte, pela vida, pelo vazio). Acabou? Sim. Não. O cansaço. A exaustão. A necessidade premente de pôr de parte a lupa e correr atrás do binóculo. Neste momento, amor, é no binóculo que vamos sorrir um ao outro - do lado de trás ( e pela frente). Acredita. É no binóculo. Lá longe: tu. Cá perto: eu. Cá longe:eu. Lá perto: tu. E a lupa? A lupa... Larga a lupa.Vá! Arranja coragem e larga a lupa. Descola, amor. A lupa não te traz sorrisos. Só caras feias. A lupa mostra-te (mostra-me!), continuamente, a boca descaída, a testa encorrilhada, os olhos fora dos olhos, os olhos que já não querem olhar, os olhos zangados de estar. Não me queres. Dizes que sim. Mostras que não. Não te quero. Digo que sim. Mostro que não. Não me falas. Falas-me com o teu silêncio num grito irado: - Desaparece! Longe! Sarna! - Sim. Grito-te isso tudo (com o meu silêncio). Apre! Pum! Partiu. O quê? Partiu? Sim. Partiu,há muito. O que partiu? A lupa? Quem dera? Não. Não? Então? O binóculo? Esse não. Descansa. O binóculo está a chegar. Não compreendo. O que partiu? E há muito? Eu. Tu. Nós. Já fomos. Não estamos. E quem está, então? O morto. O vivo, partiu - há muito-, e morreu. Mas descansa. Só acaba quando lhe for dado um fim. O binóculo. (Conceição Sousa)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Inspira

E inspira o sol,
as cores inacreditavelmente limpas que te oferece pela manhã -
e a chuva,
o seu toque agulha por entre a neblina que te abraça e afasta do sofá;
inspira o sorriso diário rasgado do teu amigo -
e o seu sermão distante e zangado (ferido);
inspira a brisa que te cobre o rosto -
e o vento que te sacode e agarra à vida, arma da natureza a matar o teu desgosto;
inspira a música que te canta aos ouvidos,
os sons da rotina dos homens, dos pássaros, das folhas nas ramagens -
e bebe o momento do agora
como se saudade já tivesses do calor que está por vir, e do que é a tua gélida viagem.
Inspira o aroma adocicado na gargalhada da criança,
que se diverte a fazer o bolo, e te mascara de chocolate
só para sentir, no toque de lábios, o consolo.
Inspira viver: o teu e o de quem te rodeia.
E deixa de ser tolo.
 (Conceição Sousa)

sexta-feira, 9 de março de 2012

Não tenhas medo.

Perscrutar aquele olhar daquela criança -
e tentar perceber o porquê daquela tristeza tão funda.
Aquele silêncio baço a olhar na direcção dos meus olhos,
a tocar o sino frenético da aldeia em busca de socorro...
aquele silêncio tão baço, aquele grito inerte tão nítido.
Dói-nos,meu amor. Dói-nos. Vem cá.
Dá-me um abraço. Sente o meu abraço.
Por uns segundos, deixa que a luz entre no teu mundo.
Não tenhas medo.
E as íris que se contemplam ( que se aproximam) e,
à distância de um atentar de segundos, se abraçam e embaraçam.
Não tenhas medo.
Só sei que não mereço,não mereço.
Não tens culpa, meu amor.Não tens culpa.
Aceita o meu abraço.
E o que está por detrás dos olhos ordena às lágrimas
que os inundem e os protejam da força
daquele silencioso e já saudoso abraço.
 (Conceição Sousa)