E quando sinto a injustiça
Cá dentro
Solto o monstro em mim.
Blasfemo, grito, esperneio
A revolta, o horror, a dor - em fim.
Não gosto de sentir assim.
Massacro, disparo, torturo
Alteio ainda mais o muro
Que afasta o outro de mim.
Cada palavrão - uma pedra -
No dique da solidão.
Cada verbo - sentido e não -
Cada letra disparada ao vento
Morre ali naquele momento
Crava o outro no coração.
A todo o instante peço perdão
Sei-o de imediato em vão.
É uma neura que não controlo
Esta da insatisfação
A expectativa desfeita na desilusão.
Grito , blasfemo, esperneio as dores
- No peito desfazem-se as cores -
Apertam , estilhaçam a alma
Rogam-me tranquila e calma
Olho para o outro em silêncio…
Aguardo do dique a derrocada
Anseio das águas a chegada
Envoltas numa enxurrada de luz.
Aguardo o amor que seduz.
Mas tudo o que vejo:
É queda a pique.
É olhar longínquo ,apagado ,
E penso: é este o fado.
Pois seja. Será então.
E apática, entrego meu coração.
Apanho os cacos um a um
Coloco-os, mimando-os, na prateleira
Deixo-os ali quentinhos à lareira
Visito-os de quando em vez
Foi assim que Deus me
fez.
Descubro pasma outros cacos
Que não os meus – lá.
Naquela tão visitada estante.
P’ra lá do vidro observo
A romaria que ali vai
Os mimos do outro que entram
A dureza do espelho que cai.
E nesse segundo me apercebo
Do sorriso de outros cacos na mão
Que com meus cacos se unem
Nos vasos do coração.
(Conceição Sousa)
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