Como cheguei até aqui?...Não sei.
E não vos minto, quando digo: não sei. Não sei mesmo.
Como é que alguém chega até
aqui?...Não sei. Sabes, amigo? Sinto que sabes. Sinto que sabes um pouco mais.
Sinto que mo queres dizer: esse “um pouco mais”. E eu quero ouvir, amigo. Morro,
se não te ouço. Morro, se não te ouço, amigo. Conta-me esse “um pouco mais”.
Mostra-me como se chega um pouco mais além. Mostra-me um pouco mais de mim, um
pouco mais do que eu conheço e desconheço: o pouco mais daí, o pouco mais
daqui.
Como cheguei até aqui? Nem eu
sei. Há uma espécie de névoa, uma espécie de enlevar do sonho – um sonho que se
insiste em viver, um sonho que se vive e não acaba, e a sensação de que é uma
interminável faísca, um lume que conquista, mas a qualquer momento é nada –,
uma espécie de morte declarada ao antes, uma espécie de infindável estrada mais
adiante: o Olimpo.
Como cheguei até aqui? Recuo no
tempo, relembro caminhos muito negros, portas fechadas (sempre fechadas!),
vozes de dentro enclausuradas (sempre enclausuradas!), intermináveis gritos
ausentes, rostos sombrios sorridentes, outros a respirar por mim, um enorme
hiato temporal …um corpo que nasceu sem alma, uma alma que amadureceu sem corpo: o vazio.
Como cheguei até aqui? A esta
busca incessante. A este prestes a apagar. A este em vias de propulsar hélio.
Tic-tac-tic-tac-tic-tac…Fujam!
Como cheguei até aqui, amigo? Como
me hás-de ajudar, amigo? Como me hás-de ajudar, se tudo o sinto está sempre no
ir, no buscar, no correr, no quase chegar – e nunca, nunca, nunca mesmo, te
sinto a vir, te vejo a me sorrir, te toco no me procurar.
Como me hás-de assim segurar, ó
vida?
Como cheguei até aqui, a este
balanço tão agri-doce, a este não saber se o minuto a seguir me irá fugir ou
guardar?
É estranho. É estranho o
horizonte: Aurora Boreal.
(Conceição Sousa)