13* Adivinha o que me excita?
O que me
encanta em ti é essa forma tão linda de ser, o sentimento que contamina tudo o
que tocas, e até o que não tocas. Não é relevante a direção desse teu sentir, o
que me cativa é como sentes quando sentes e sempre que sentes. Vejo que suas
essa entrega inabalável; testemunho as rugas que carregas, cada vez mais fundas
e agras, sem, no entanto, te queixares de um ínfimo cansaço – e só um cego não
vê como te cansas.
Suo contigo, sabes?
Mas não me canso
como tu te cansas… É tão cómodo estar deitada nesta cama a carpir a existência,
a rebelar-me de ter nascido sem tampouco mover um polegar para garantir-me
pessoa, quanto mais abrir os braços para
te abraçar pessoa?
És tão lindo, sabias?
Ainda mais quando percebes o meu ócio ( Ó!, Cio!) e vens mesmo levantar os
lençóis e meter-te na cama comigo. Não merecia que o fizesses, entendes? Tão
desdobrado em acarinhar tudo e todos, em amparar meio mundo, e nunca te
esqueces de vir buscar este calor, aqui, nesta cama gelada, sujeito a saíres empedernido
e fatigado de sobremaneira. E sais mesmo, de todas as nossas urgentes vezes,
empedernido e fatigado. E mais lindo ainda. Um gelo que se liquefaz pele
sorvida. Um brilho no sorriso com que te apresentas – e que continua a celebrar
o instante em que nos vimos. Não desenlaças esses cálices ao alto e um tilintar
que sempre ecoa.
“Danças-me um
século, diva?”, perguntas.
“ Danço-te um
milénio, e talvez um pouco mais, génio”, respondo.
( Já te disse
que sou viciada na tua resiliência? Já te segredei que é isso que me excita? A
tua resiliência?)
O meu ouvido
pregado na tua lapela, a tactear nos pés o ritmo de te saber vivo, um coração
maroto, esse teu, que me faz pisar-te porque pára por breves segundos e acelera
como se quisesse fugir uma eternidade. E eu confesso-te:
“ Assim não sei dançar, tudo o que faço é
tropeçar em ti, traste!”
“ Não faz mal,
pisa à vontade, sardinhas – o que carinhosamente me chamas, tenho muitas na
cara, e que culpa me assiste? –, o meu queixo agradece essa dentada de
coelhinha”, gracejas. A tua arte é gracejar, sabias. E és uma graça, a minha
graça.
“ Sardinhas ou coelhinha, qual preferes? Peixe
ou carne?”, provoco, a isca, sei que gostas de um deslize ordinário.
“ Eu quero é
comer, tanto me faz, tenho uma fome de ti!”, mordes, o teu segundo de
brejeirice, e eu adoro quando és brejeiro. Um gelo que se liquefaz pele
sorvida. Um brilho no sorriso com que te apresentas – e que continua a celebrar
o instante em que nos vimos. Braços enlaçados e cálices bem lá no alto. Não há
nada que quebre um celebrar assim.
“ Danças-me um
milénio, então, velhinha?”, fazes beicinho, ai, como me enlouqueces quando
fazes beicinho…
“Danço-te o
que tu quiseres e aguentares. Mas tens de me levantar bem lá no alto, quero
sentir-nos tocar no voo dos pássaros, consegues?”
E tu aceitas o
desafio. Mordes o sorriso. E elevas-me só para nós.
Não te contei,
mas fiz-me melhor que eu mesma, supra superei-me, só para que pudesses ficar
mais um milénio encantado comigo, só p’ra que pudesses continuar a sentir-te
seduzido, só p’ra que saibas que não há melhor do que eu. E, quando te sentir
fugir de novo, aguarda-me, uma outra te surpreenderá, ainda melhor do que esta,
duvidas?
“ Danças-me um
milénio, então, velhinha?”, suplicas.
Que rede é esta que te apanhou e da qual não
queres sair? Vais ter mesmo de dançar um milénio e um pouco mais comigo. Essa
tua resiliência endoidece-me. E tu vens sempre buscar, aqui, a este ócio
debaixo dos lençóis, suado, pisado, tropeçado, morto, vens buscar a tua vida.
E eu dou-ta,
meu amor, desde que me leves sempre nesse cálice de celebração, nesse brilho de
sorriso campeão com que te apresentas –
e que continua a enlaçar o instante em que nos vimos.
“Danço-te um
milénio, e talvez um pouco mais… Não, não leves ainda os teus lábios, preciso
de senti-los um pouco mais.”
( Já te disse
que sou viciada na tua resiliência? Já te segredei que é isso que me excita? A
tua resiliência?)
Conceição
Sousa
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