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domingo, 1 de junho de 2014

13* Adivinha o que me excita?


13* Adivinha o que me excita?

O que me encanta em ti é essa forma tão linda de ser, o sentimento que contamina tudo o que tocas, e até o que não tocas. Não é relevante a direção desse teu sentir, o que me cativa é como sentes quando sentes e sempre que sentes. Vejo que suas essa entrega inabalável; testemunho as rugas que carregas, cada vez mais fundas e agras, sem, no entanto, te queixares de um ínfimo cansaço – e só um cego não vê como te cansas.

Suo contigo, sabes?

Mas não me canso como tu te cansas… É tão cómodo estar deitada nesta cama a carpir a existência, a rebelar-me de ter nascido sem tampouco mover um polegar para garantir-me pessoa, quanto mais  abrir os braços para te abraçar pessoa?

És tão lindo, sabias? Ainda mais quando percebes o meu ócio ( Ó!, Cio!) e vens mesmo levantar os lençóis e meter-te na cama comigo. Não merecia que o fizesses, entendes? Tão desdobrado em acarinhar tudo e todos, em amparar meio mundo, e nunca te esqueces de vir buscar este calor, aqui, nesta cama gelada, sujeito a saíres empedernido e fatigado de sobremaneira. E sais mesmo, de todas as nossas urgentes vezes, empedernido e fatigado. E mais lindo ainda. Um gelo que se liquefaz pele sorvida. Um brilho no sorriso com que te apresentas – e que continua a celebrar o instante em que nos vimos. Não desenlaças esses cálices ao alto e um tilintar que sempre ecoa.

“Danças-me um século, diva?”, perguntas.

“ Danço-te um milénio, e talvez um pouco mais, génio”, respondo.

( Já te disse que sou viciada na tua resiliência? Já te segredei que é isso que me excita? A tua resiliência?)  

O meu ouvido pregado na tua lapela, a tactear nos pés o ritmo de te saber vivo, um coração maroto, esse teu, que me faz pisar-te porque pára por breves segundos e acelera como se quisesse fugir uma eternidade. E eu confesso-te:

 “ Assim não sei dançar, tudo o que faço é tropeçar em ti, traste!”

“ Não faz mal, pisa à vontade, sardinhas – o que carinhosamente me chamas, tenho muitas na cara, e que culpa me assiste? –, o meu queixo agradece essa dentada de coelhinha”, gracejas. A tua arte é gracejar, sabias. E és uma graça, a minha graça.

 “ Sardinhas ou coelhinha, qual preferes? Peixe ou carne?”, provoco, a isca, sei que gostas de um deslize ordinário.

“ Eu quero é comer, tanto me faz, tenho uma fome de ti!”, mordes, o teu segundo de brejeirice, e eu adoro quando és brejeiro. Um gelo que se liquefaz pele sorvida. Um brilho no sorriso com que te apresentas – e que continua a celebrar o instante em que nos vimos. Braços enlaçados e cálices bem lá no alto. Não há nada que quebre um celebrar assim.

“ Danças-me um milénio, então, velhinha?”, fazes beicinho, ai, como me enlouqueces quando fazes beicinho…

“Danço-te o que tu quiseres e aguentares. Mas tens de me levantar bem lá no alto, quero sentir-nos tocar no voo dos pássaros, consegues?”

E tu aceitas o desafio. Mordes o sorriso. E elevas-me só para nós.

Não te contei, mas fiz-me melhor que eu mesma, supra superei-me, só para que pudesses ficar mais um milénio encantado comigo, só p’ra que pudesses continuar a sentir-te seduzido, só p’ra que saibas que não há melhor do que eu. E, quando te sentir fugir de novo, aguarda-me, uma outra te surpreenderá, ainda melhor do que esta, duvidas?

“ Danças-me um milénio, então, velhinha?”, suplicas.

 Que rede é esta que te apanhou e da qual não queres sair? Vais ter mesmo de dançar um milénio e um pouco mais comigo. Essa tua resiliência endoidece-me. E tu vens sempre buscar, aqui, a este ócio debaixo dos lençóis, suado, pisado, tropeçado, morto, vens buscar a tua vida.

E eu dou-ta, meu amor, desde que me leves sempre nesse cálice de celebração, nesse brilho de sorriso campeão  com que te apresentas – e que continua a enlaçar o instante em que nos vimos.

“Danço-te um milénio, e talvez um pouco mais… Não, não leves ainda os teus lábios, preciso de senti-los um pouco mais.”

( Já te disse que sou viciada na tua resiliência? Já te segredei que é isso que me excita? A tua resiliência?)  

 

Conceição Sousa

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