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sábado, 31 de maio de 2014

12* Insignificância


12* Insignificância

 

                Há objectos que existem para me lembrar da minha insignificância – é uma frase arrogante de tão egocêntrica e despudorada, mas é assim mesmo, o objecto só existe em função de mim, para que eu saiba o quão insignificante sou ( sou mesmo importante não?). Há objectos que faço questão de ter bem perto ( tipo terapia de choque, mordiscadela de acorda!, aferroada de “toma lá que é para não te atirares aos cães!”) só para que nunca me esqueça da minha soberba insignificância: sei.

                O que não te perdoo, e não te perdoo mesmo, é que, caso não seja assim, tão insignificante como queres que eu sinta que sou, caso seja exactamente o extremo oposto, sofras dessa maneira tão parva, tão jumenta, tão linear de quem não percebe nada do que anda cá a fazer, ó pessoa ida!

                Ora diz-me lá se há alguma lógica no que se segue:

·         Amas-me tão enervantemente que quando te enervas dizes que me odeias. ( Em que é que ficamos?)

·         Amas-me tão obsessivamente que quando me queres ( e tudo o que tu queres é só querer-me) fazes este mundo e o outro para que não te queira.

·         Amas-me tão intrinsecamente que no exterior tudo o que jogas é às escondidas: passas a vida a olhar-me, mas não convém que te veja, não vá eu bater no muro “ um, dois, três, vi-te!” e ser a minha vez de esconder. ( Tens medo de nunca mais me encontrar, é? Se não me encontro, não te encontro, certo?)

·         Amas-me tão levianamente que quando me “f****” é sempre a valer ( ai, e como vale!), é pena que te calhe  o reverso da palavra, o mais ingrato, o que me faz carpir o caminho do que se tem asco e perguntar “ Por que me queres tão mal? Por ti mesmo sei que nunca quererias, seria o exactamente oposto: o bem-bom da palavra, ora “f******”! ( fica-te! – que pensavas? –, fica-te e desiste desse pau, mau jeito de amar.)

·         Amas-me tão ingenuamente que na inocência de te ser doce perdes-te na confecção de uma geleia melosa e peganhenta, e o mais que resulta  é um lambuzar guloso que em nada cola o genuíno amor que pensas que me tens.

 

Sossega, tu, que nem estás a ler isto… ora não sou eu insignificante? Como dizia lá acima, há objectos ( e pessoas) que só trago comigo para que me lembrem do quão insignificante estou neste pedaço de carne, que me embala num berço a que chamam de tempo. E, garanto-te, o mais que me importa é o tom do abalo, sussurro doce e lento, a inclinar as pálpebras na direção do escuro, janela fechada para o mundo e aberta para os braços do que nos dá colo…

Quando se é insignificante assim, há toda uma significância da vida que nos irrompe pela alma adentro. Temos mesmo de fechar os olhos, induzir o sono, porque a vida, de tão bela e extraordinária , cega-nos a vista. E a senti-la é por um fiozinho de olhar, a experimentar meias-luas, porque é na neblina que a verdade acontece, é no fosco que a realidade se consuma,  é no mate, apanhado de duas malhas, sem brilho, que o lance irrompe e  se desvenda: sorriso e gratidão.

De ti só quero mesmo é que me lembres que sou insignificante.

Há objectos bem duros que não podem, de modo algum, despencar da nossa mão.

Catástrofe!

Conceição Sousa

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