12* Insignificância
Há
objectos que existem para me lembrar da minha insignificância – é uma frase arrogante
de tão egocêntrica e despudorada, mas é assim mesmo, o objecto só existe em
função de mim, para que eu saiba o quão insignificante sou ( sou mesmo
importante não?). Há objectos que faço questão de ter bem perto ( tipo terapia
de choque, mordiscadela de acorda!, aferroada de “toma lá que é para não te
atirares aos cães!”) só para que nunca me esqueça da minha soberba
insignificância: sei.
O
que não te perdoo, e não te perdoo mesmo, é que, caso não seja assim, tão
insignificante como queres que eu sinta que sou, caso seja exactamente o
extremo oposto, sofras dessa maneira tão parva, tão jumenta, tão linear de quem
não percebe nada do que anda cá a fazer, ó pessoa ida!
Ora
diz-me lá se há alguma lógica no que se segue:
·
Amas-me tão enervantemente que quando te enervas
dizes que me odeias. ( Em que é que ficamos?)
·
Amas-me tão obsessivamente que quando me queres
( e tudo o que tu queres é só querer-me) fazes este mundo e o outro para que
não te queira.
·
Amas-me tão intrinsecamente que no exterior tudo
o que jogas é às escondidas: passas a vida a olhar-me, mas não convém que te
veja, não vá eu bater no muro “ um, dois, três, vi-te!” e ser a minha vez de
esconder. ( Tens medo de nunca mais me encontrar, é? Se não me encontro, não te
encontro, certo?)
·
Amas-me tão levianamente que quando me “f****” é
sempre a valer ( ai, e como vale!), é pena que te calhe o reverso da palavra, o mais ingrato, o que me
faz carpir o caminho do que se tem asco e perguntar “ Por que me queres tão
mal? Por ti mesmo sei que nunca quererias, seria o exactamente oposto: o bem-bom
da palavra, ora “f******”! ( fica-te! – que pensavas? –, fica-te e desiste desse
pau, mau jeito de amar.)
·
Amas-me tão ingenuamente que na inocência de te
ser doce perdes-te na confecção de uma geleia melosa e peganhenta, e o mais que
resulta é um lambuzar guloso que em nada
cola o genuíno amor que pensas que me tens.
Sossega, tu, que nem estás a ler isto… ora não sou eu insignificante? Como
dizia lá acima, há objectos ( e pessoas) que só trago comigo para que me
lembrem do quão insignificante estou neste pedaço de carne, que me embala num
berço a que chamam de tempo. E, garanto-te, o mais que me importa é o tom do abalo,
sussurro doce e lento, a inclinar as pálpebras na direção do escuro, janela
fechada para o mundo e aberta para os braços do que nos dá colo…
Quando se é insignificante assim, há toda uma significância da vida que
nos irrompe pela alma adentro. Temos mesmo de fechar os olhos, induzir o sono,
porque a vida, de tão bela e extraordinária , cega-nos a vista. E a senti-la é
por um fiozinho de olhar, a experimentar meias-luas, porque é na neblina que a verdade
acontece, é no fosco que a realidade se consuma, é no mate, apanhado de duas malhas, sem
brilho, que o lance irrompe e se desvenda:
sorriso e gratidão.
De ti só quero mesmo é que me lembres que sou insignificante.
Há objectos bem duros que não podem, de modo algum, despencar da nossa
mão.
Catástrofe!
Conceição Sousa
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