8*
Um alien
Um kg de
rojões com carne, com osso e com courata. Um kg de ameijoa. Duas gelatinas: uma
de morango e uma de ananás. Uma mousse de chocolate. Duas doses de sorriso e
cinco fatias de abraço. Prontinha p’ra chegar a casa, pôr o homem a cozinhar e
espalhar doçura no rosto cintilante dos filhos. Todas as famílias felizes são
um pouquinho gorduchinhas, só um pouquinho. Quem resiste a um mimo de chocolate?
Só para procurar estrelas cintilantes em dentições convertidas à religião do
hmmm! O Ioga perfeito.
“Ó mamã, és do
outro mundo!”
Não soubera
eu, acabava agorinha mesmo de ser informada. Como é possível que os nossos
filhos, de todos, acertem o alvo no ponto exacto do conhecimento de nós mesmos?
E começam lá longe, no reflexo de sucção.
“Só mais dois
euros, vá… Ó mamã, és mesmo do outro mundo!”
“Como sabes? Vieste
de lá, foi, patanisca?”
Gargalhada ao
cubo quanto dá? Depende do ponto de partida. A primeira açoitadela de
cabeça vale por quantos? Nós três. Nós?
Três nós?
“Tu é que
dizes que te damos um nó na cabeça. Uma gargalhada deve valer por três. Se te
damos um quando te zangas.”
Não seremos cinco? Ok, consinto. Seja três
perdigotos por cada açoitadela de gargalhada nos óculos que não usas, pá ( ou
será que usas? Já não me lembro…)! Quanto dá então gargalhada ao cubo? Se for
mágico dá… deixa lá ver… pelo menos nove faces coloridas, doze não será? – e um
texto esquizofrénico.
Gelatina! Gelatina! Gelado, queres tu dizer.
“Trouxeste, mamã,
gelado?”
“Sou do outro
mundo, mas não me perco, filhote: 27: 3x3=9x3=27 27: 3x3=9x3=27”
Íamos no
reflexo de sucção que vem de lá longe, da teta, e de tudo o resto, porque a
sofreguidão conecta-se com tudo o que seja tocável, dê alimento ou não. Há
ainda outro reflexo ante-comunicativo, a mãozinha que ergue para se proteger da
dor, da fralda que cobre o rosto enquanto suga o leite (“ Deixa-me respirar,
caraças! Está tudo às escuras!”), da fralda pronta a secar a saliva teimosa no
canto da boca. E não gostas, eu sei que não gostas, pá, mas tem de ser. Tem de
ser. Eu sei mais do que tu: precisas de te alimentar e de estar limpinho, senão
gretas aí esse cantinho de lábio maroto. A mão que ergues para afastar o pano,
para te proteger da dor, não protege de nada, só estorva. É a minha mão
teimosa, com esse pano seguro, que te vai impedir de ferir – e de doer.
Choras?
Competência básica. Comunicas. Um bebé sem sílabas chora para comunicar e ri
para comunicar. Precisaremos nós de saber muito mais? Dói, não falas, choras.
Eu ouço, e socorro-te. Ou não… Tens fome, não falas, choras. Eu ouço, e
socorro-te. Ou não… Sentes-te só, no quarto ao lado, não falas, choras. Eu
ouço, e socorro-te, mas dizem que não devo ir logo a correr para não te
habituar mal, senão vais chorar toda a vida, eu vou desesperar de tanto ecoares
o teu grito no meu ouvido e vamos acabar por não nos suportar um ao outro.
Ris em busca
da tranquilidade. Ris nas primeiras horas de vida. “Está a sonhar, ‘tadinho.”
Já vens do ventre a rir, que mistério é este, caramba? Imitas os sons, os
gestos, o toque, os passos, as palavras…
Imitas o que vês, o que ouves, o que intuis. Imitas e aprendes. Imitas e transformas-te – às vezes em miau!miau!, em
au!au!, em mémé!...
É só ir lá
atrás, à linguagem dos bebés, para percebermos a filosofia da vida. Toda a
santa vida é este inferno celestial ou este céu infernal nos relacionamentos. Choras
porque tens de chorar: é acto reflexo de origem. Sobrevivência. Ris porque tens de rir: é acto reflexo de
origem. Sobrevivência. Imitas porque tens de imitar: é acto reflexo de origem.
Sobrevivência. Sugas porque tens de
sugar: é acto reflexo de origem. Sobrevivência.
Qual é a
dúvida?
Já sei. Sou do
outro mundo. E vim de lá a rir.
Conceição
Sousa
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