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segunda-feira, 26 de maio de 2014

8* Um alien


8*

Um alien

Um kg de rojões com carne, com osso e com courata. Um kg de ameijoa. Duas gelatinas: uma de morango e uma de ananás. Uma mousse de chocolate. Duas doses de sorriso e cinco fatias de abraço. Prontinha p’ra chegar a casa, pôr o homem a cozinhar e espalhar doçura no rosto cintilante dos filhos. Todas as famílias felizes são um pouquinho gorduchinhas, só um pouquinho. Quem resiste a um mimo de chocolate? Só para procurar estrelas cintilantes em dentições convertidas à religião do hmmm! O Ioga perfeito.

“Ó mamã, és do outro mundo!”

Não soubera eu, acabava agorinha mesmo de ser informada. Como é possível que os nossos filhos, de todos, acertem o alvo no ponto exacto do conhecimento de nós mesmos? E começam lá longe, no reflexo de sucção.

“Só mais dois euros, vá… Ó mamã, és mesmo do outro mundo!”

“Como sabes? Vieste de lá, foi, patanisca?”

Gargalhada ao cubo quanto dá? Depende do ponto de partida. A primeira açoitadela de cabeça  vale por quantos? Nós três. Nós? Três nós?

“Tu é que dizes que te damos um nó na cabeça. Uma gargalhada deve valer por três. Se te damos um quando te zangas.”

 Não seremos cinco? Ok, consinto. Seja três perdigotos por cada açoitadela de gargalhada nos óculos que não usas, pá ( ou será que usas? Já não me lembro…)! Quanto dá então gargalhada ao cubo? Se for mágico dá… deixa lá ver… pelo menos nove faces coloridas, doze não será? – e um texto esquizofrénico.

 Gelatina! Gelatina! Gelado, queres tu dizer.

“Trouxeste, mamã, gelado?”

“Sou do outro mundo, mas não me perco, filhote: 27: 3x3=9x3=27 27: 3x3=9x3=27

Íamos no reflexo de sucção que vem de lá longe, da teta, e de tudo o resto, porque a sofreguidão conecta-se com tudo o que seja tocável, dê alimento ou não. Há ainda outro reflexo ante-comunicativo, a mãozinha que ergue para se proteger da dor, da fralda que cobre o rosto enquanto suga o leite (“ Deixa-me respirar, caraças! Está tudo às escuras!”), da fralda pronta a secar a saliva teimosa no canto da boca. E não gostas, eu sei que não gostas, pá, mas tem de ser. Tem de ser. Eu sei mais do que tu: precisas de te alimentar e de estar limpinho, senão gretas aí esse cantinho de lábio maroto. A mão que ergues para afastar o pano, para te proteger da dor, não protege de nada, só estorva. É a minha mão teimosa, com esse pano seguro, que te vai impedir de ferir – e de doer.

Choras? Competência básica. Comunicas. Um bebé sem sílabas chora para comunicar e ri para comunicar. Precisaremos nós de saber muito mais? Dói, não falas, choras. Eu ouço, e socorro-te. Ou não… Tens fome, não falas, choras. Eu ouço, e socorro-te. Ou não… Sentes-te só, no quarto ao lado, não falas, choras. Eu ouço, e socorro-te, mas dizem que não devo ir logo a correr para não te habituar mal, senão vais chorar toda a vida, eu vou desesperar de tanto ecoares o teu grito no meu ouvido e vamos acabar por não nos suportar um ao outro.

Ris em busca da tranquilidade. Ris nas primeiras horas de vida. “Está a sonhar, ‘tadinho.” Já vens do ventre a rir, que mistério é este, caramba? Imitas os sons, os gestos, o toque, os passos,  as palavras… Imitas o que vês, o que ouves, o que intuis. Imitas e aprendes. Imitas e  transformas-te – às vezes em miau!miau!, em au!au!, em mémé!...

É só ir lá atrás, à linguagem dos bebés, para percebermos a filosofia da vida. Toda a santa vida é este inferno celestial ou este céu infernal nos relacionamentos. Choras porque tens de chorar: é acto reflexo de origem. Sobrevivência.  Ris porque tens de rir: é acto reflexo de origem. Sobrevivência. Imitas porque tens de imitar: é acto reflexo de origem. Sobrevivência.  Sugas porque tens de sugar: é acto reflexo de origem. Sobrevivência.

Qual é a dúvida?

Já sei. Sou do outro mundo. E vim de lá a rir.

Conceição Sousa

 

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