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Um cão, gato talvez?
Não deveria ter nascido pessoa, deveria ter nascido animal doméstico, um
cão, um gato talvez, tenho este ímpeto de acarinhar, de estender a pata para te
afagar o rosto, para te sentir bem-vindo, e olho... olho um olhar infinito de
ternura, um olhar resiliente, precisado da tua voz, do teu sorriso, da tua
incomensurável atenção.
Não deveria ter nascido pessoa, um animal doméstico, sim, um cão, um gato
talvez, uma alma, igual a tantas outras, enclausurada num pedaço de carne que
queima, um infindável pedido de auxílio, um não pestanejar hirto a abraçar o
seu dono, a aguardar ininterruptamente o instante do calor, um cão, um gato
talvez, só porque nunca falo, só porque nunca verbalizo, só porque nunca digo
com as palavras - p'ra que preciso delas? -, só porque não me querem as pessoas
como eu quero que elas me queiram. Sou orelhas pontiagudas e olhar resiliente:
observo e aguardo - p'ra que preciso das palavras?
Um cão, um gato talvez, e muda de verbo talvez o mundo me quisesse, ou
acabasse comigo de vez.
A crueldade é ser pessoa, quando me sinto alma enclausurada no interior de
um animal doméstico, um que fala demais, e que tudo o que deseja é que lhe consintam
o instante de um afagar de rosto e de um cafuné.
E porque sou pessoa as pessoas complicam tanto...
Conceição Sousa
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