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sábado, 28 de janeiro de 2012

Sou cal



Era a mulher mais triste à face da terra;
não queria ser triste, mas era.
Sabia, muito bem, como fintar a tristeza.
E fintava-a, vezes sem conta, dias e dias,
meses e meses, anos e anos, décadas...décadas?...
já lá vão décadas - que triste.
É, ainda,a mulher mais triste à face da terra.
E quando, por fim, consegue estar, fisicamente, só,
é quando se sente mais acompanhada.
Aí, as lágrimas de décadas soluçam à tristeza de décadas:
"- sou a água mais corrente, mais salgada, mais fervorosa,
e mais inútil, à face dos que são, e na tua face são."
E os lábios recebem de braços abertos e amplos as lágrimas
(as que se sentem inúteis) de décadas, há décadas.
Sentem-lhes o sabor a sal e aquecem-se no abraço triste
das gotas que queimam à entrada do beijo -
aquele, o tal, que se deseja e finta toda a tristeza,
afastando-a do mal.
Sou cal.
 (Conceição Sousa)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sou Mãe.



Houve uma época em que era mãe quase a tempo inteiro. Uma época que durou quase uma década. Nessa época, anulou uma parte de si, uma parte muito importante de si - mas não uma parte essencial de si (como se viria a comprovar à época).
E, anular, não será a palavra mais adequada. Digamos que a sua parte mais essencial, à época, tomou o comando quase a tempo inteiro: sou Mãe. O deslumbramento de ser Mãe; o friozinho na barriga de ser Mãe; o saber que uma pequena desatenção poderia resultar numa crueldade feroz para alguém que se alimentou, gerou, partilhou fluídos, fez parte literalmente (em pele, carne, osso e sangue), e saiu de dentro de si.
Alguém que tem aqueles olhos expectantes constantemente postos em si.
Alguém que, para sobreviver, depende de si: do calor do seu corpo, do seu leite, do seu cuidado, da sua alma, do seu amor.
Alguém, a quem teve de ensinar, a tempo inteiro, a comer, a beber, a falar, a andar, a controlar os esfíncteres e o fluxo urinário, a não morrer (por não ter noção do perigo que é uma queda, um abismo, um gole de detergente, um comprimido esquecido na banca, o pendurar-se num móvel que desliza e lhe cai em cima...), a viver, a amar.
E, mesmo com todos os cuidados e em estado de permanente alerta (que nem as luzes e o som intermitentes de uma ambulância), aconteceram imprevistos não previsíveis, dores de cabeça e atitudes desesperadas de salvamento, como, por exemplo, pegar na criança pelos pés e dar-lhe pancadas nas costas para que soltasse as gotas vitamínicas que lhe enegreciam a pele por terem entrado e obstruido o canal de respiração. Quem imaginaria tal? Uff! Que alívio!Respiras!
Mas o sorriso...o sorriso que se prolonga, desde essa época...esse, nunca acaba. O sorriso que se fortaleceu com as histórias de encantar e o "só mais uma, mamã!"; o sorriso que faz doer o maxilar no contínuo questionar: "mas, porquê, mamã?".Uma corrente inacabável de porquês. E um agradável cansaço: sou Mãe.
É certo que sou outras coisas, no entretanto; é certo que os sinto a começar a caminhar pelo próprio pé; é certo que outras partes de mim, agora, chamam - outras só minhas, mas por eles ( sempre por eles). No entanto, é um facto que o sou(e acima de tudo) para nunca deixar de o ser: Mãe.
- O que faço agora, minha Mãe?
(de Conceição Sousa)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Sinto

Sinto que tenho que dar voz à minha voz (e que é de vós).
Sinto que tenho algo a dizer ao mundo,
algo que importa e que, ao ser importado pelo vosso espírito,
nos levará a todos a um Bem comum.
Palavras que, ao ser lidas e interpretadas,
germinarão realidades diferentes, genuínas e belas;
libertarão um fio condutor de esperança
na recuperação redentora da identidade humana,
daquilo que nos une e que, ao ser partilhado,
abala a solidão, e nos mantém conectados.
Uma só Alma, a curar a sua dor,
a ser inundada pelas espirais sonoras e vibratórias (ecos) do Amor.
E, se sinto, cá dentro, bem fundo - e não é de agora-,
este impulso, este ímpeto, este chamamento,
só posso concluir que não pode, de modo algum,
ser errado o caminho que escolho fazer.
Leiam, chamem as minhas palavras até vós.
Se fizerem sentido, absorvam-nas;
se não fizerem sentido, libertem-nas.
 (Conceição Sousa)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Segura-me, bem firme, meu amor.



É óbvio que, em última ou primeira instância, penso no meu próprio umbigo - ou será que não?
Se aqueles, a quem eu amo, estão bem, eu também me sinto bem - sempre pronta para um sorriso.
Será que eu desejo que aqueles, a quem eu amo, se sintam bem para que possa eu também me sentir bem?
Poça! Avario.
É um facto que, se estiverem mal, de imediato, eu fico mal.
Dói. Muito. É uma pressão desagradável no peito e um sabor amargo na boca.
Então é melhor para mim, e para eles, que estejam sempre bem.
Mas isto não é penar no próprio umbigo, é penar pelo umbigo do outro.
Não é individualismo.
É algo que não se explica.
É amor ao outro, e a mim - mas mais ao outro.
Senão como se explica que muitas almas abdiquem de órgãos corporais, de caminhos de vida, de manifestações intelectuais e, por vezes, até do próprio direito à existência?
É evidente, por exemplo, no rosto de certas mães, a quem usurparam os filhos, como é penosa a existência sem os seus rebentos. É só um exemplo.
Viver, sim : na presença do outro a quem amamos.
Viver, sim: na sua ausência; mas não na do Amor de que não abdicamos e, muitas vezes, pelo qual penamos.
No entanto, também sei que, mesmo sem o corpo, é esse mesmo Amor que nos dá força
e nos obriga a gostar da nossa vida e a viver.
Afectos poderosos que nos ficam no coração: aquele sorriso no olhar que nos deita, muitas vezes, a mão.
Segura-me, bem firme, meu amor.
(Conceição Sousa)

Onde pára o valor ?

Tantas as pessoas de valor...
muitas mais são as pessoas do Amor;
essas que, tal como eu, sempre tiveram um desmedido valor,
mas que, por reserva e humildade no existir,
se acanham
e não mostram quem são no seu real esplendor
(mostrem-se!).
E muitos dos que estão à frente,
não é porque tenham mais ou menos valor,
mas sim apenas porque
não se acanham
em mostrar o seu "real odor"-
digno da realeza
(pensam eles...)
e insuportável fedor
(já não se aguenta tanta máscara!)
(Conceição Sousa)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Mas porquê eu ?



Há dores que não conseguimos contornar.
E é aí, que, devagarinho, a revolta vai ocupando amplo espaço em tudo o que somos:
porquê eu? Mas porquê eu? Mer...Ahhhh! Stop! Errado.
Dói?...Muito?...E é uma dor exasperante? Insuportável?
Respira fundo...coragem. Respira novamente.
Deixa a lágrima correr...não tens outra solução, não é? Ela salta mesmo. Elas - as lágrimas - saltam mesmo.
Agora, como não adivinhas o futuro...
e milagres acontecem...
e nem toda a informação que te foi transmitida é correcta (não interessava a quem manda)...
agora, dói-te;
arrasta-te, move-te, anda para qualquer lado, mas anda.
A primeira dor é a que dói mais; depois, tanto corpo como alma adaptam-se, habituam-se.
Pensa bem. Já não dói tanto - ou até dói igual ou mais -, e estás a caminhar.
Caminha - não é p'ra caminha, é caminha de caminhar, de lutar. Luta.
Não baixes os braços, não baixes nada em ti, enquanto tiveres forças para não baixar.
Tenta sorrir. Ainda podes.
Dói ainda? Eu sei que sim. E é uma filha da luta de dor.
Descansa. Nada resiste eternamente.
A dor, mais dia menos dia, termina. Podes estar certo.
Descansa. A dor,mais dia menos dia, termina - e p'ra todos nós.
Como vês, não estás só.
 (Conceição Sousa)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Vejam, enquanto podem



"Um dia, meus belos e luminosos olhos já nada segurarão.
Um dia, já não verei as nuvens apressadas, lá no alto, escaparem,por entre os dedos de Deus, e beijarem o azul quente de todos os Céus.
Um dia, já não contemplarei a doce brisa a abraçar as rabugentas folhas, que se amam na ramagem densa multicolor, e se perdem e encontram quebradas no banco dos réus.
Um dia, as minhas íris, em vermelho possessas e ramificadas, já não vislumbrarão os açoites da chuva que queimam na pele; nem conseguirão perdoar ao ríspido vento, o que empurra o corpo cansado, e o obriga a avançar no gelo soprado - sabor que escorrega de vida neste papel que me foi destinado.
Um dia, já não terei a visão de ti no meu pensamento, pois, por muito que tente, meus olhos já nada serão senão pó do tempo.
Um dia, já não serás luz cá dentro; toda e qualquer escuridão que possa daí, agora, advir - perto da que está por vir (supõe-se)-, nada mais será do que fugaz e belíssima recordação do já morto momento.
Por isso, meus olhos de agora - os que conheço e estão -, enquanto podem,  captem, e intensamente, todo e qualquer movimento (bom ou mau) a ocorrer - na paisagem que vos sente, entende e dá prazer. Vejam! Sejam! Chorem! Sorriam! Demorem-se...Pisquem!Abram!Fechem!Estagnem! Rebolem! - soltem a meiguice do que vos habita dentro! Libertem o ser que vos faz sentir, a cada segundo, o presente. Amem: até que , por fim, vos tapem  e roubem de tudo o que vos sente."
 (Conceição Sousa)

Esta noite será doce.



Esta noite, apetece-me ser doce - doce como o algodão;
macio como deveria ser um qualquer coração, numa qualquer ocasião.
Qual quer?
Quero aquela - aquela alma em geleia barrada. Quero prová-la.
E àquele corpo cansado - aquele que escorre e escreve mel....
Esta noite, apetece-me ser doce - doce no sabor dorido em que me tens, meu amor;
doce no sussurro de te amar,
e de (suspiro após suspiro, sorriso após sorriso, em todo este ar que me envolve e é meu -
e que ainda respiro) te perguntar se vens...
Doce, meu amor. Doce é o meu, de ti, retiro. Vens?

(de Conceição Sousa )