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sábado, 28 de janeiro de 2012

Sou cal



Era a mulher mais triste à face da terra;
não queria ser triste, mas era.
Sabia, muito bem, como fintar a tristeza.
E fintava-a, vezes sem conta, dias e dias,
meses e meses, anos e anos, décadas...décadas?...
já lá vão décadas - que triste.
É, ainda,a mulher mais triste à face da terra.
E quando, por fim, consegue estar, fisicamente, só,
é quando se sente mais acompanhada.
Aí, as lágrimas de décadas soluçam à tristeza de décadas:
"- sou a água mais corrente, mais salgada, mais fervorosa,
e mais inútil, à face dos que são, e na tua face são."
E os lábios recebem de braços abertos e amplos as lágrimas
(as que se sentem inúteis) de décadas, há décadas.
Sentem-lhes o sabor a sal e aquecem-se no abraço triste
das gotas que queimam à entrada do beijo -
aquele, o tal, que se deseja e finta toda a tristeza,
afastando-a do mal.
Sou cal.
 (Conceição Sousa)

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