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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

6* O que é o sentir-se sozinho, isolado, só

           Como foste capaz? Como foste capaz? Esta é a pergunta derradeira, a pergunta do embasbacamento, a pergunta guilhotina… Como foste capaz, meu pai? Como foste capaz, minha mãe? Como foste capaz, meu filho? Como foste capaz, meu irmão? Como foste capaz, meu companheiro? Como foste capaz, meu amigo? Como foste capaz, meu amor… meu amor…meu amor.

E, depois, entra a solidão. Uma solidão tão funda, tão mágoa, tão mágoa…tão mágoa.

Na verdade, não tenho ninguém, ninguém. Há uma fantasia, uma bela ilusão, criada com todas as cores aguarela que as manhãs teimam em me benzer; um socorro estendido pelo temperar do Sol; um alumiar da Lua em abraço pelo chão, como que a dizer

“Pensa melhor; vais ter saudade deste meu brilho, deste teu cintilar. Também não tenho ninguém. Entrego-me ao negrume da dor, quase por completo, até que de mim só me percebem uma leve foice. É quando me dizem que faço falta. É quando me dizem que a escuridão é imensa e deixaram de ver o seu reflexo nas águas do lago. É quando me dizem que há ferocidade por toda a parte e temem o rosnar do tempo. É quando eu perdoo e regresso do lençol alcatrão – ainda não é duro como a pedra nem mole como o coração; regresso em pinceladas de fumo branco, e cresço na esperança de ser resgatada; um alastrar redondo como o ventre, um vai-e-vem em busca de auxílio, uma contracção prenhe de apagão para que possa renascer sem memória, sem o “Como foste capaz?” e ter, novamente, a oportunidade de sorrir a inocência. Pensa bem: sempre me conheceste sem ninguém e faço-te falta, ou não?”  

Sim, fazes-me muita falta, meu querido, meu luar. Esta maldita solidão. Todos os momentos de quebra deviam ser proibidos. Todos. Todas as pequenas mortes deviam deixar de o ser: pequenas. Ou são mortes ou __________.

Como foste capaz, meu amor?

Que queres que te diga? Sei que é assim. Sei que já morri, mas tenho de viver. Sei que me mataram, mas tenho de viver. Sei que, p’ra mim, não valho a pena, mas tenho de viver. Sei que sou invisível, e até invisível me sentem como ameaça, mas tenho de viver. Sei que ninguém me tem, absolutamente ninguém – e é mais isso a solidão: ninguém nos ter; e não tanto ao contrário: não termos ninguém –, mas que vou fazer? Tenho de viver. Tenho de ser como a Lua. A Lua existe para me mostrar que é possível ser como a Lua: absolutamente só e iluminar toda a humanidade; é possível crescer e minguar, querer morrer e querer iluminar; é possível sermos amplamente amados na escuridão sem sequer sabermos que o somos: amados.  A Lua existe para que saiba que um mero satélite, tão insignificante, tão pequeno, faz falta à escuridão de um planeta inteiro. A Lua, tão só, tão desacompanhada, tão bela, tão necessária e urgente… a Lua.

Como foste capaz? Foste. E agora sou outra. Fiquei sem mim durante muito tempo; já regressei. Perdoei. Perdoei. Tenho a solidão por minha companhia. Aprendi a amar a solidão. E é tão minha esta solidão que me faz uma imensa companhia. Não me sinto só. Tenho a solidão. Tenho o luar. E tenho a esperança de que, um dia, venha a ter-te a ti… meu amor, meu amor, meu amor…

Conceição Sousa in "Hoje é sempre um bom dia p'ra começar", Livro de Crónicas

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