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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

morreste-me

Quando me morreste, não soube de imediato o que isso era "me morreres".
No dia seguinte, o amanhecer retornou, como todos os outros amanheceres de todos os outros dias seguintes e dos dias anteriores; a noite caiu, como todas as noites de aí em diante e antes dessa caem; a brisa orvalhou-me a face como já o havia orvalhado antes e com certeza haveria um depois; as folhas restolharam-me os pés descalços como já era hábito no antes e o seria no após; o cheiro a terra arada entranhou-se-me na pele, como acontece sempre que um homem ou uma mulher ou um animal revolvem a terra.
Foi quando afaguei a minha pele surrada que percebi: não mais um olhar teu a cativar o meu silêncio. A memória? Pânico. A memória? Não conseguia isolar no tempo o espaço cativo do teu último olhar. Pânico. As tuas feições? Não as lembrava. Como? Sabia que não mais o teu sorriso, não mais o teu choro, não mais o teu beijo, o teu abraço e nem sequer um vislumbre do que era o teu rosto conseguia. Pânico.
Não é morrerres-me que me dói. É ter percebido que levaste contigo a minha memória. Essa é a dor maior. Não me teres deixado um canto para te lembrar ( uma esquininha que fosse), para que possa continuar a saber o que é amar-te. E até as fotografias me soam estranhas.

Conceição Sousa

 

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