Escrevo, como sempre, no canto (mais canto) do meu quarto - sim : meu (sortuda por ter um quarto). E é apenas um quarto - poderia ser meio ou até mesmo inteiro; não deixa de ser um quarto: melhor do que nenhum. Mas, voltando ao início ( já é um círculo), escrevo como sempre escrevi. É cíclico. É rotina. É dentro. É sou. Os mesmos objectos: o caderno preto, a caneta, eu ; o mesmo acto: um objecto segura o outro e fá-lo rodopiar (por vezes no ar também) pro e contra-relógio num terceiro objecto estático. Não é justo. Há uma relação ( ou melhor três) desigual : dois dos objectos são dinâmicos, mexem-se, movimentam-se. O terceiro apenas sofre as consequências; sem qualquer hipótese de lhes escapar. Está ali, parado, a ser massacrado, à mercê. O segundo goza apenas de uma meia autonomia: a que o primeiro lhe dá. Se o primeiro não lhe pega fica ali - inactivo; se lhe pega é um mundo: faz e desfaz a seu belo prazer. O primeiro -esse sim- domina. Se quer: há ; se não quer: não há. O eu (primeiro) pega na caneta (segundo) e escreve no caderno (terceiro). Há um intruso, um estranho nesta relação de décadas : um quarto objecto: o quarto ( e lá voltamos ao quarto- eu não digo que é cíclico?). O quarto objecto também é estático, mas projecta de tal forma dinâmica que se anula na sua inacção de mero objecto estático: o computador. O que outrora era acto solitário num quarto consequência de relações desiguais continua a ser acto solitário num quarto consequência de relações desiguais; contudo, com a intrusão do quarto objecto no quarto, passou a ser meio mundo a escrever sobre e para mais meio mundo (os quartos do outro lado): o círculo - que não deixa de ser quarto. Mas, continuo a afirmar: melhor ter um quarto do que não ter nenhum.
(de Conceição Sousa)
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