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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

15* A felicidade

15*
A felicidade nunca chega a tempo e, quando está, nunca ninguém dá por ela “in loco” e “on time” que está. A felicidade quando chega já passou. A felicidade quando se mostra já aconteceu. A felicidade é a mais dissimulada das dissimuladas. Não. A felicidade é tão de incondicional que quando acontece não avisa que acontece. Acontece e pronto – mas não se dá a conhecer na hora, só quando a hora já passou da hora. É vaidosa e exige galardões, só que mais tarde. Esfrega bem na tua cara “ Olha, foste muito feliz em tal época e em tal lugar com tais pessoas – e nem soubeste aproveitar. Aproveitaste, mas não tiveste essa consciência de me saborear em pleno. Bem feita! Agora, se quiseres, volta lá atrás, volta lá, àquele lugar com aquelas pessoas.”
A felicidade leva tempo a maturar e, quando, finalmente, está pronta para ser recebida já o tempo em que aconteceu passou. Oh… A felicidade é daquelas coisas que nunca entra em sintonia com as coisas. Tem ali um problemazito de deslocamento mental, um retardamento, algo incurável. É deliciosa e iluminada, mas amnésica na hora e no local em que o está a ser. Só mais tarde retorna a si mesma, e lembra-se de tudo, tudinho, ao pormenor, e sorri aquela saudade e nostalgia do que não foi plenamente abraçado. Tem um problema sério de maturidade. E quando a maturidade acontece, já a hora da felicidade fugiu.
E nós sentimos que ela esteve sempre connosco naquele tempo, naquele lugar, com aquelas pessoas; sentou-se à mesma mesa, embora esparrinhasse a toda a volta a sopa que a colher torta insistia que engolisse; dormiu na mesma cama, com as mãozinhas a amaciar rostos e orelhas; solucionou os mesmos puzzles e ergueu as mesmas construções de legos; surrou a cara de chocolate enquanto cantava as receitas de culinária da avó; contou e recontou histórias só de olhar para as imagens dos contos – ainda nem sabia ler; deixou que lhe mudassem a fralda e lhe dessem o leite no biberão; aprendeu a soletrar as primeiras palavras e as primeiras palavras foram “mãe”, “pai”; trincou a madeira do berço em redor, já rompiam os dentes e a baba lambia a vida; balbuciou os sons indecifráveis mais belos do firmamento; correu tresloucada e bamboleante para os nossos braços ajoelhados e caiu, vezes sem conta, enquanto se segurava às paredes – até que, por fim, ergueu-se, imponente, e andou com a firmeza que só a felicidade conhece; arregalou-nos aqueles olhos que nos diziam os seus heróis e heroínas em todo o universo - e só pedia para passar todo o tempo do mundo nos nossos braços e amava-nos todo o tempo das constelações.
Quero lá voltar.
Sei que lá estou. Vai demorar a chegar. Desgraçada, não se faz...

Conceição Sousa

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