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terça-feira, 30 de abril de 2013

cãibra

era a quente o toque
do rosto com a perna
da coxa com a boca,
era a calor o sopro
do silêncio com a língua
do palato com o fumo,
era a ardência o sal
da lágrima com o músculo
do gemido com o suor,
era a infinito o abraço
do inverno com a pele
da flor com o estio
do ventre ao outono
da primavera ao arrepio.
era a que não se diz a perguntar
e o ausente de corpo a responder.
sim, somos, nós.
a cãibra.

(Conceição Sousa)
Toda a minha vida é uma greve de palavras.
P'ra quê usá-las, quando tudo se escreve no meu olhar?

(Conceição Sousa)

casinhas e cowboys

O que tu não sabes
É que estás com ela
Porque te segredei esses passos,
Ao encontro de mim,
Nas letras onde nos pequei.
Decalcavam as pegadas ocas de nós,
Que te tatuei numa jugular protuberante,
Um cio verde num encosto de amante,
O meu fio de maturidade,
Prenhe de ausência de voz,
No silêncio do caminho dessa felicidade: à nossa.
O que tu não sabes
é que sou o teu mais além,
Nesse dia-a-dia de brincar às casinhas e aos cowboys,
Mendigos de afecto nós dois,
Na anuência do beijo ao alcance,
Na paz do que tens de percorrer –
Aquele depois que nada é sem o antes.
Aquele antes que tudo é para o depois.
E que as roupas que lhe despes
São precisas no ritual
De nos vestires o pleno, animal.
O que tu não sabes
É que te amo, sim.
Ouviste bem? Amo-te, sim.
Mais uma década te aparta deste som: amo-te, sim.
Amo-te no teu tempo mais adiante,
O meu de agora.
Um dia hás-de cá chegar p’ra mo dizer, a mim.
Desde já te agradeço, meu amor,
Pois sei que mo dirás de coração
“amo-te”,
A esta que te ficou tão só e apenas na mão, perdão.

(Conceição Sousa)

outros

Não podes impedir os outros
de construirem uma representação do que tu és -
à sua imagem e semelhança, claro.
Mas podes fazer do teu dia-a-dia uma viagem só tua,

deliciosa e bela,
e viver com os astros que te aquecem as manhãs
e te deitam num sono simples e desprendido de tudo:
até de ti.

(Conceição Sousa)

batalhas

Há batalhas, na vida,
onde te sentes dos dois lados:
ora o combatente ora o resistente.
Às vezes, decides dar-te um longo período de tréguas.
A batalha está lá,
continua a ferro e fogo,
mas o teu corpo deserta e a tua alma sonega.
Até que um dia dás por ti
a pousar o escudo e a espada
e abraças o suor do guerreiro e o sangue da armada.
Se é p'ra doer sempre, que seja.

(Conceição Sousa)

na rua

Hoje passei por ti na rua - ou pelo meu desejo de que fosses tu
( acontece-nos demasiadas auroras, sabes? )
Havias de sentir a loucura
neste meu coração
quando a Terra de repente muda de epicentro:
pum-pum-Pum-Pum-pum-pum-Pum-Pum.
As pernas a tremer em réplicas de um amor que, quando o noticio destroçado,
acha-se com direito a resposta:
não, ainda não acabámos, muito pelo contrário.
Quero muito que me comeces.
Eras tu
e eu quis beijar-te.

( Conceição Sousa)

tempo meu

Sei que vivo o meu tempo,
neste tempo,
e o meu tempo ninguém o pode viver por mim.
Sei que o faço explosivo,
ao meu tempo,
na tentação de ocupar tudo
o que, neste tempo que é meu e teu,
me é possível ocupar.
Sei que me torno assédio,
no tempo que me vive,
presença não querida,
no tempo que me morre:
nesta ânsia de te preencher todo,
tempo meu,
sem brechas por onde te escapares
sem mim.
Sei que te não levo comigo,
tempo ido,
e que te respiro plena,
tempo daqui,
e que bruscamente me roubarás de mim,
tempo que não terei.
Sei que sabe sempre a tão pouco
o tudo em que me sou
no tempo em que me tens,
tempo ingrato.
E, às vezes, parece-me tão parva
a existência...

(Conceição Sousa)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

maçã podre

Entende, isto, de uma vez por todas.
Não tenho paciência para pessoas que se fazem o favor
de me precisar na vida delas;
não tenho tempo para pessoas que se sentem
( sabe-se lá por que carga de água...)
obrigadas a conviver com os meus passos;
não tenho vida para desperdiçar
com a hipocrisia.
E já devias saber que , se calhar,
em outra vida,
fui uma cadela,
pois farejo-te a milhas.
Sim. A ti - e ao teu cheiro de maçã podre.

(Conceição Sousa)
Há um abraço em ti que teimas em não querer sentir,
um palpitar junto nas arritmias das estações,
um ombro forte nas noites que amanhecem,
uma voz doce no cheiro a terra lacrimosa,
a companhia do beijo terno nas vestes de cada céu.

E as palavras que todas as brisas soletram ,
que todos os ventos sacodem ,
que todas as tempestades vociferam : nunca é a sós, meu amor.

(Conceição Sousa)
 

conta-gotas

E tu foste, a conta-gotas, embora.
Nem demos fé, mas foste. Foste mesmo.
Sentei-me à mesa, o guardanapo que não pus
disse-me que beijavas um outro, cor de cereja
e - cá entre nós - tão enciumado,
só queríamos senti-lo, ao usado.
A tua voz ao fundo, na companhia do televisor,
doía quando, ao actor, a actriz tudo pedia -
e não é que ele, com o teu desejo nos olhos, a ela concedia?
A cama aberta, assim a deixaste, todas as manhãs,
sempre desfeita, sempre vazia, sempre a loção de barbear
que em vez de servir se despedia
e ía em vez de vir, ía... a maldita ía.
À noite, o relógio contava-me, nos números
que se revezavam,
os nossos turnos;
sabia que vivias algures
num colo mais importante,
e que havias de chegar cá, como sempre chegavas,
ao nenhures -
era só o tempo dos lençóis frios
me esquecerem...
e soube que te foste mesmo
quando deitaste
e eles fingiram me adormecer.

(Conceição Sousa)

decepar do sorriso

Tu fazes-me mal.
Tu fazes-me muito mal.
Sempre o mesmo gosto amargo,
ao fundo da garganta;
sempre o mesmo nó, ali,
a apertar.
Tu fazes-me mal.
Tu fazes-me muito mal.
Não te fiques só pelo decepar do sorriso.
Amputa-me o pensamento.
Desterra-me o sentimento.
E leva os meus dedos contigo.

(Conceição Sousa)

terça-feira, 16 de abril de 2013

pedir

Amigos, confesso que tenho muita dificuldade em pedir: pedir que reparem em mim, pedir que me dêem atenção, pedir que me façam um carinho, pedir que estejam atentos, pedir que marquem a vossa presença nos meus (os que sinto como) grandes momentos, pedir que me amem...Confesso que tenho muita dificuldade em pedir - na verdade, nem o sei fazer...custa-me...E, p'ra minha surpresa, nos últimos tempos ...(bem...sempre foi assim), descubro que há pessoas que me rodeiam, seres humanos belíssimos, que parece que não estão na minha sintonia ( nem sequer estão, físicamente...),mas naqueles momentos que sinto como grandes (como meus) surgem, assim do nada, e enriquecem o meu Sol. Gestos simples,mas que me ficam no coração. Muito obrigada por me darem continuamente a vossa mão.
(Conceição Sousa)
Sabes que por ti espero,
sabes o que tens a fazer,
aguardo que me digas quando e onde,
pois o como já ambos sabemos.

(Conceição Sousa

nylon


Estou a um fio de nylon de morrer do amor...
mas não de ti.
E essa lágrima que me mostras
prende-me ao beijo cerzido.
A dor que se amortece da queda
na água de ambas as bocas;
a voz que recuou ao dedilhar
das letras salivantes e ocas.
Estou a um fio de tinta
de nos matar o amor,
mas não a nós -
uma linha que se escusa a tornear
o corpo, o fervor rubro;
uma sede que nos prende à vida,
o tom do gemido morto.
Estou a um feixe de luz de me entregar a ti,
a esse quero-te.
Toma-me, rasgo de mágoa;
verte-me, espasmo de mundo;
entranha-me, torpor ensandecido.
Estamos na neblina,
a um hiato de nos enlamearmos:
pó e chuva.

(Conceição Sousa)


+

O tudo ou nada não é uma boa filosofia. Na luta com as nossas dores devemos entender que os nossos sentimentos são nossos, momentâneos e evolutivos - e, na maioria das vezes, por serem nossos, falaciosos.
Não devemos ceder ao tudo ou nada, pois quem nunca sentiu que mudando as variantes ( pessoas, lugares, tempos, razões...) mudam as prioridades? E o que era tudo passou a ser nada?
Quando sentires que é tudo ou nada, acerca-te ainda com mais vigor do meio-termo. É do meio-termo que surgem as grandes surpresas da vida. É no meio-termo que nos encontramos, ao tudo.

conter

Aprendi a conter-me.
Em tempos, entreguei o meu amor ao ponto da anestesia,
de me perder de mim,
de me esgotar de corpo,
de me evadir de espírito.
E quase não me regressei.
Aprendi a conter-me.
Na verdade, não aprendi, não.
A escrita é a entrega possível de um humano
(que não passa de um corpo apenas)
a todos quantos necessitem do seu abraço,
mas não deixa de ser uma doação aldrabada -
tudo o que não é de um para um é batota
( e isso dói).
Queria poder fazer mais, ser mais,
entregar o meu amor pessoalmente a ti,
em forma de conforto,
em forno de alento,
em lume brando num olhar atento,
e que tu pudesses escutar: diz,meu amor, estou aqui.
Diz, meu amor, estou aqui...

(Conceição Sousa)
Guia de instruções para a inevitabilidade de um amante - 1ª parte.

Estou perdida, sim; estou perdida. Casei apaixonada, enlouquecida, mas aquele maldito sofá venceu-me. "Agora, não. Agora está a dar o Porto/Benfica." A ele juntou-se a cama; o almoço pronto e "Agora não, deixa-me dormir"; e três vezes por semana " Agora, não, agora tenho de ir para o treino" ; e " Agora, não, é Sábado, querida, dia de jogo. Até logo!"
Estou perdida, sim; estou perdida. Casei apaixonada, enlouquecida, mas os "Agora, não" foram tantos e tão seguidos que me esvaziei até da própria vida. Vieram os filhos, um a seguir ao outro, e os "Agora, não" lá continuaram. Entreguei as crianças na pré-escola, uma a seguir à outra, e dei por mim com tempo por preencher e sem pessoas por perto com quem viver. Olhei no espelho e pensei "Agora, sim; agora voltaste. Agora é hora de resgatar o mundo que não tiveste."

(Conceição Sousa)


+

desânimo

O desânimo é quando a alma parte p'ra um lugar desconhecido e não nos dá, a este resto, garantias de que volte. É não saber o que nos guarda o amanhã: se ficaremos a aguardá-la ou se correremos atrás dela. É quando o destino trocou de mãos.

(Conceição Sousa)

tons

Há um abraço em ti que teimas em não querer sentir,
um palpitar junto nas arritmias das estações,
um ombro forte nas noites que amanhecem,
uma voz doce no cheiro a terra lacrimosa,
a companhia do beijo terno nas vestes de cada céu. 

E as palavras que todas as brisas soletram ,
que todos os ventos sacodem ,
que todas as tempestades vociferam :
nunca é a sós, meu amor.

( Conceição Sousa )

culpas?

Se nos sentimos tristes, vazios, mal-amados...porque não haveremos nós de dizer a nossa verdade?
A de que nos sentimos tristes, vazios e mal-amados.
Atribuir culpas?
De que nos serve atribuir culpas?
Só sabemos que não se inventa o que não se sente.
Essa é a verdade.
Já nos amámos.
Já nos amámos como loucos, mas algo se perdeu.
Matámos, à vez, o nosso amor: morreu.
De que nos serve atribuir culpas?
Ambos sabemos - e é no ponto do toque -
que não se inventa o que deixou de ser sentido.
De que nos serve atribuir culpas e prolongar o que a vida tratou de terminar?

(Conceição Sousa)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

ditador

Sabes quem é o maior ditador de todos os tempos?
O coração - um ditador destituído.
Pergunta lá ao cérebro se tem hipótese alguma de descer ao poder.
O corpo nunca foi um órgão democrático. Trabalha para quem menos representa - e ignora quem o elege todos os dias.

(Conceição Sousa)

janela

Anda à janela a ver se me vês...
Não ? Não estás o olhar do ângulo certo.
Já aí estou, há algum tempo.

( Conceição Sousa)

uma flor

Ninguém dá conta de uma flor no meio de outras flores, é verdade...
mas não é por isso que essa flor deixa de ser o que é: uma flor
- a fazer falta naquele que é o seu lugar, entre outras flores.

(Conceição Sousa)
Deixei de ser minha no momento em que a bênção da criação aconteceu dentro de mim.
E o remorso de ter de vos expulsar pariu a minha essência junto convosco - em vós.
E é aí que ela mora agora, meus filhos.
Quando nos cortaram o cordão umbilical, já a voz tinha viajado: minha mãe.

(Conceição Sousa)
Fazer algo por exclusão de partes é uma idiotice,
mas há quem lhe chame arte.

(Conceição Sousa)
A única coisa que me assusta neste mundo é a incapacidade de me assustar.

(Conceição Sousa)

34* bonita?

Dizias-me que não podias me dizer que era bonita porque o era mesmo e que, se mo dissesses, poderia tomar conhecimento disso e ver no olhar dos outros que era isso mesmo que me diziam: és bonita.
Dizias-me que se tomasse conhecimento disso, e do que o olhar dos outros verdadeiramente me dizia, poderia encontrar maior beleza do que a tua num outro olhar que mo estivesse a dizer.
Dizias-me que se me tratasses com carinho, poderia habituar-me a ser tratada com carinho, poderia gostar de ser tratada com carinho e que , se aprendesse a ser tratada com carinho, poderia reconhecer esse gesto nas mãos de outro e trocar o teu carinho pelo carinho de outro.
Dizias-me tudo ao contrário do que me querias dizer só para que eu não descobrisse quem verdadeiramente era e me pudesses perder, monstro.
Mas não precisei que mo dissesses, o tudo que me mentiste. Logo na primeira palavra que omitiste, no primeiro gesto que confundiste, percebi o quanto me enganei. Que nunca serias tu o homem que amei.

(Conceição Sousa)

falas-me

Faz apenas e só apenas o que te merece o seres.
Diz apenas e só apenas o que te compete ao quereres.
Mostra apenas e só apenas o que te enriquece viveres.
Sê tu próprio, sem de ti nunca te esqueceres.
Não forces o ir quando o que és está no ficares.
Fica, mesmo que todos os outros não o queiram,
mesmo que tudo em redor seja a desfavor,
e degusta o meu amar-te.
Hoje, mais uma vez,
sinto-me acompanhada -
e sorri quando percebi que me estavas a falar.
Fica, neste calor que é o meu amor por ti.

(Conceição Sousa)
Esse timbre que embate no meu peito e me arremessa no oráculo do céu.
Essa voz que em mim mora e me murmura doces loucuras a toda a hora.

(Conceição Sousa)

Fazer as Pazes

Quero fazer as pazes contigo.
Já aceitei todos os teus pedidos de desculpa.
Já perdoei todas as cobardias que proferiste.
Compreendo a dor de todos os intermediários.
Estou cansada e quero fazer as pazes contigo.
Afinal, nunca foste um estranho nem nunca serás.
Quero fazer as pazes contigo, mas não consigo.
Terás de ser tu, desta vez, a aproximar-te.
E, se não o fizeres, corres o risco de me manteres perdida no para sempre -
o que, por mim, já me parece o mais sensato.
Mas a sensatez nunca foi a minha morada, nem o para sempre.
Vem, meu amor.

(Conceição Sousa)

Tão cobarde...

Mais ninguém está, só tu.
Tu és o único que está: sempre.
Todos os que deviam estar estão onde têm de estar;
mas não aqui, não p'ra mim.
E tu estás - onde não devias estar.
Percebes agora porque sei:
amas-me, como convém a um grande amor.
Qual é a dúvida?
Não o sabes?
Não o sentes?
Não o pensas?
Não o queres?
Tão cobarde...

(Conceição Sousa)

risada a dobrar

Coitada...de tanto amar, enlouqueceu.
Como à época não encontrava a voz que tanto queria ouvir,
leu-a algures num livro de um escritor de outra época -
e apaixonou-se irremediavelmente.
Dizem que foi tão, mas tão, feliz naquela sua loucura
que quem a visse, embora sempre melancólica,
juraria, por momentos, escutar a sua risada a dobrar.

(Conceição Sousa)
Lamento dizer-to, mas acabou.
E eu não posso, nem quero, inventar o que não existe.

(Conceição Sousa)

consigo

Não penses que não tenho razões para que transforme a minha vida num pesar permanente.
É verdade. Tenho-as, como tu tens; como qualquer um, humano, tem.
Mas escolho viver serena; escolho resolver, com calma, um assunto de cada vez;
escolho direccionar a minha atenção para o que me dá paz;
escolho encontrar nos pormenores que poucos vêem a minha luz.
E queres que te conte um segredo? Consigo. Consigo, desde sempre, viver tranquila.
Consigo, desde sempre, lançar uma pedra de cada vez ao lago
e apreciar a espiral de amor a formar-se, a crescer e a, lentamente, desaparecer.
Consigo fazer do meu instante o bem, deitar a cabeça na almofada e sorrir-te.
Consigo, cansada, mas consigo.
Consigo fazer da minha vida, mesmo que não a queiras, a palavra amiga.

(Conceição Sousa)

(k*5z#y!#)

Que queres que eu te diga?
Queres que te mostre toda aquela linguagem pérfida que uso quando estou no pico da revolta?
Não...não.

Embora entenda que faz parte
(há uma espécie de relaxar quando a fúria viaja pela fibra a 300% até àquela palavra específica -
e tem de ser aquela palavra e não outra),
não tenho especial orgulho em a proferir.
Aliás, arrependo-me de todas as vezes que acontece;
e sim, poderia escrevê-la aqui, mas não o vou fazer.
É uma palavra como outra qualquer;
desgraçadamente, atribuiram-lhe um significado tão aborígene
que até ela sente vergonha de si própria.
O instinto é assim.
No entanto, todos no mundo a praticam: uns para amar, outros para matar.
No meu caso, basta bater com o cotovelo numa parede qualquer (k*5z#y!#) ... ooops!

(Conceição Sousa)

minha mãe

Não me lembro nunca de to ter dito, minha mãe;
mas és aquela força silenciosa que me abraça a toda a hora
e me traz o chá quente aos pés da cama,
de cada vez que sinto o meu coração a querer parar.
Eu tenho um anjo da guarda, e és tu minha calejada e doce mãe.
Beijo-te.

(Conceição Sousa)

liberdade

Podes questionar tudo o que te apetecer;
mas, aviso-te, não tentes,
por um milímetro que seja,
interferir com a minha liberdade.
Essa é uma conquista de longa data e só minha.
Defendê-la-ei, suspeito,
até com o escudo da própria vida,
pois se não for por ela nada mais me saberá viver.

(Conceição Sousa)

lágrimas inúteis

E os lábios recebem
de braços abertos e amplos
as lágrimas
( as que se sentem inúteis)
de décadas, há décadas.
Sentem-lhes o sabor a sal
e aquecem-se no abraço triste das gotas
que queimam à entrada do beijo.

( Conceição Sousa)

ajudar

Como me hás-de ajudar,
se tudo o que sinto está sempre no ir,
no buscar, no correr, no quase chegar...
e nunca, nunca mesmo,
te sinto a vir, te vejo a me sorrir, te toco no me procurar.

( Conceição Sousa)

A maior mentira

A minha maior mentira? Sou eu -
e esta inacabável sensação de incompletude.
Dizem-me que faço tanto...
sinto que em nada se transforma.
Sempre à procura do próximo passo,
sempre no encalço da próxima meta,
sempre o vazio no pós-feito.
Sempre, sôfrega,
a apalpar o desconhecido.
Sempre a sensação de que me falta fazer muito mais.
Sempre o decapitar do tempo
a segredar-me que talvez não haja tempo.
E eu continuo a correr.

(Conceição Sousa)

Expiro?

E é isto que sinto.
E é isto que sou.
E é a ti que me entrego -
só porque é este o momento.
Nem certo, nem errado -
apenas o momento.
És todo o ar que preenche cada espaço vazio em mim.
Expiro?
(Conceição Sousa)

mimar

A minha ambição é
viver
para manter a nossa tranquilidade,
lutar
para conquistar a nossa serenidade
e amar
para reconquistar a nossa paz.
Baixinho,
sonho que tu aprendas algo com os meus modos
e possas talvez mimar
um olhar,
um querer,
um gesticular,
um repensar,
um dizer,
um tocar -
e que essa vontade em abraçar o outro
trespasse o coração de milhões.

(Conceição Sousa)

Ama-se

Ama-se
até que as sombras se cansem
e desistam de namorar o sol.
Ama-se
até que o sol se canse
e saiba que é hora de se ir.
Ama-se
até que os corpos se cansem
e se devolvam a si mesmos.

( Conceição Sousa )

pe(n)sar

Sei precisar no meu tempo o instante em que a alegria
se transformou em pe(n)sar: aos 9 anos.
Desde aí a minha luta tem sido muito solitária.
Todos os dias me esforço para que a melancolia
não dê lugar à amargura.
Todos os dias venço-me,
ao calar em mim o conforto do abandono,
e abraço a brutalidade da invasão do outro.
Mais ar, por favor.
As lágrimas.

( Conceição Sousa)

palmas das mãos

Se hoje aqui estivesses,
entre as palmas das minhas cartas,
beijar-te-ia por todas as hesitações
as rugas de cada senão.

( Conceição Sousa)

História e Filosofia

Dizem que a História não é importante. Dizem que a Filosofia não é importante. Vou fazer um exercício filosófico colocando-me fora deste espaço e desta época. Reparem como o exercício do poder ( seja ele qual for ) é uma doença terminal e infecto - contagiosa, um vírus de proporções cataclísmicas. Deveríamos todos usar máscara anti-ego. Preservar o nosso íntimo da corrupção do estatuto, injectar o nosso âmago diariamente do anonimato necessário à preservação da espécie e do ecossistema.
Todos os problemas actuais se resolveriam com esta dose massiva de humildade existencial. O teu nome até pode ficar na História, pá, mas tu não.

( Conceição Sousa)

chamaste?

Quando me chamaste,
senti vontade em me despir,
e mostrei-te o que não mostro a ninguém: as minhas fragilidades.
E o teu sorriso diz-me que ama a beleza da minha singular entrega.
E o meu beijo celebra a nudez da tua essência,
a verdade da paixão em nos vivermos
disto que somos em não nos sermos.
Quantas camadas de pele nos faltam ainda cair
para que possamos, enfim, nos abraçar?

( Conceição Sousa)

21


Ainda assim, prefiro o 21.
Se é p'ra morrer número,
que seja um ímpar.
Não me perguntem o porquê,
mas sempre me senti ímpar.
E nem posso dizer, por motivos óbvios,
desde a idade da pedra.
Deixo que sejas o 20?


( Conceição Sousa)

mundano

Quando tudo o que é mundano te abandona,
quando tudo o que é da rotina inventada dos homens e das mulheres te deserta,
quando despertas na grandeza milenar do que tão-somente és,
quando a pele se engelha, a dor se manifesta, a gravidade vence
o tónus de cada movimento teu
e o mundo corre mas tu ficas,
quando a voz do que sempre foi, é e será, te grita
ao fundo da verdade,
aí as tuas lágrimas lembram-se de todos quantos sempre te quiseram bem.
E quem são eles?
Aqueles que por estarem sempre tu nunca viste.
E onde estão?
Ao alcance de uma sorridente e grata memória.
Tão imaturas foram as escolhas que fiz...
Estou pronto, agora, para nascer.

(Conceição Sousa)

pretensão?

Não tenho pretensão a nada - nunca tive.
Tenho, sim, algumas dores que quero adormecer ;
tenho, sim, alguns vazios que me sinto a preencher.
E, às vezes, gosto de pensar que te tenho comigo - dedos entrelaçados.

(Conceição Sousa)

a voz

Se queres arder o amor
numa mulher,
namora-lhe o ouvido
e entrega-lhe o teu olhar.
Se o quiseres gelar,
basta que silencies o teu sussurro.
Não gostas do que vês nos olhos dela ?
São os teus a odiar.

( Conceição Sousa)