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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

açaime

Deus está impedido de falar,
tem um açaime que lhe cobre o rosto,
para que, com a força das suas palavras,
não varra a existência dos que vivem no agora.
E ela, que já foi humana, a sua amante,
naquele fluído que se libertou do corpo morto,
ainda energia condensada,
ainda com formas de mundo terno,
toca-lhe ao de leve na solidão do rosto,
e beija-o,
deixando-se estar,
naquela fracção de segundo
em que o consegue afagar.
Deus, que, por instantes, deixou de se sentir só,
não tira o açaime,
mas recosta-se nos lábios dela -
os que lhe sentem a humidade salgada
a escorrer no arrepio quente do até ali desamparado desgosto -
e agradece-lhe a humanidade que traz consigo,
e que, antes de partir para o vácuo,
lhe segreda o amor dos homens e das mulheres
na nódoa mordida
a alastrar no seu pescoço.

(Conceição Sousa)

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