Conta-se, por aí, que, em manhãs de grande invernia, com os doces ainda na mesa, e as migalhas espalhadas pelo chão da casa, um certo tipo de anjos, daqueles com auréolas boreais e asas de zinco, visitam os lares na madrugada do dia de Natal. Fazem-no às escondidas, à procura de alimento; não querem ser vistos nem pelos meninos e pelas meninas - que se levantam várias vezes, durante a noite, na esperança de vislumbrar a barba do Pai Natal - , nem pelo próprio distribuidor de presentes. Seria um constrangimento enorme alguém tão rico e poderoso ter de observar a fome com que estes anjos rastejam pelas carpetes no encalço do orvalho com sabor a mel. Conta-se, por aí, que é muito bom, na manhã de Natal, existirem vestígios das passadas destes anjos; significa que os espaços escolhidos, mesmo que sem comida farta na mesa, souberam acolher a penumbra em que caminhavam, souberam com o aroma a afecto abraçar a solidão dos seres de luz, souberam com o amor de uma mão sempre aberta aconchegar no quentinho da madeira que range a dor do anjo que guarda o homem perdido. E, todas as manhãs de Natal, se vires uma espécie de fio prateado de saliva a percorrer a carpete até à frincha gelada da porta, significa que um anjo destes entrou em tua casa, uma casa abençoada.
(Conceição Sousa)
(Conceição Sousa)
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