"Um dia, meus belos e luminosos olhos já nada
segurarão.
Um dia, já não verei as nuvens apressadas,
lá no alto,
escaparem, por entre os dedos de Deus,
e beijarem o azul quente de todos os Céus.
Um dia, já não contemplarei a doce brisa
a abraçar as rabugentas folhas,
que se amam na ramagem densa multicolor,
e se perdem e encontram quebradas no banco dos réus.
Um dia, as minhas íris, em vermelho possessas e
ramificadas,
já não vislumbrarão os açoites da chuva que queimam
na pele;
nem conseguirão perdoar ao ríspido vento,
o que empurra o corpo cansado,
e o obriga a avançar no gelo soprado –
sabor que escorrega de vida neste papel que me foi
destinado.
Um dia, já não terei a visão de ti no meu
pensamento,
pois, por muito que tente,
meus olhos já nada serão senão pó do tempo.
Um dia, já não serás luz cá dentro;
toda e qualquer escuridão que possa daí, agora,
advir –
perto da que está por vir (supõe-se)-,
nada mais será do que fugaz e belíssima recordação
do já morto momento.
Por isso, meus olhos de agora - os que conheço e
estão -,
enquanto podem,
captem, e intensamente,
todo e qualquer movimento (bom ou mau) a ocorrer –
na paisagem que vos sente, entende e dá prazer.
Vejam!
Sejam!
Chorem!
Sorriam!
Demorem-se...
Pisquem!
Abram!
Fechem!
Estagnem!
Rebolem! –
soltem a meiguice do que vos habita dentro!
Libertem o ser que vos faz sentir,
a cada segundo, o presente.
Amem: até que, por fim, vos tapem
de tudo o que vos sente."
(Conceição Sousa)
Sem comentários:
Enviar um comentário