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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Acto 2

 À Porta do Céu.
A mulher desencontrada descansa na berma da estrada, mas desconhece que aquela é a Porta do Céu.
Do lado de dentro, o homem que nasceu para amar cozinha uma refeição digna dos deuses. E canta, angélico, alegre, enquanto se esmera nos aperitivos.
A mulher desencontrada não sabe que o homem que nasceu para amar está do lado de dentro. Ela não o vê, e nem sequer o ouve.
A mulher desencontrada pensa na melhor forma de aveludar o homem de cara rígida.
É noite cerrada. Apenas um lampião aclara o pavimento.

A MULHER DESENCONTRADA ( sentada na berma, encostada à Porta do Céu, com os joelhos unidos e os braços a fechá-los num círculo. Os olhos bem abertos na direcção do luar que ninguém vê.) – Estás servido de mundo, de tecto, por isso não te mostras, por isso não me vês. Sorris para os holofotes. Cegas-te nesse brilho artificial. Cegas-te do tudo, amor.

O HOMEM QUE NASCEU PARA AMAR ( ainda do lado de dentro, canta um hino ao seu amor)
- És o meu pedestal, lalalalala!...
Ajoelho-me, devoto do teu mel, lalala!
No licor com que me banhas, adormeço, lalalala…
E todo o amor que sinto não tem preço, confesso, lalala!
Vem, meu doce de cereja, xiiiiiiiiiiiiiiiiiii!(parte, sem querer, um copo!)
Vem e sê, de todas, a que mais me beija! Auuuuuu! ( Fere-se num estilhaço)

O HOMEM DE CARA RÍGIDA ( surge, sorrateiro, traiçoeiro, pé-ante-pé…espreita por detrás do lampião. Não se mostra. Vigia, atento, os pensamentos da mulher desencontrada e esconde-se, sorridente, na sombra. Dirige-se à plateia.) – Ai! Se ela soubesse!Se ela imaginasse o quanto me enlouquece! Mas não posso. Não, não, não. Assusta-me. É vício. É tudo o que me acontece. É suplício…Ai!, ai!, ai!...
( E afasta-se, com as mãos no rosto, vergado, e a cabeça quase no chão)

 (Conceição Sousa)

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