"A tendência da população em geral é a direita; Maria contraria a sua: escolhe o atalho da esquerda. É valsa a dança da brisa na verde folhagem – o rio aguarda sua vez de bailar. O sol, atrevido e arredio fogo , furta a passada da dama, da tímida chuva, que se aproxima para o amar. O céu cobre-se de cinzento, é verdade. A sua alma também. E ambos são saudade: vida e vontade. Uma picada de abelha. Merda! Arde. Dói. Lembra-se de quando era criança, tinha talvez uns seis anos, e, propositadamente, resolveu segurar na mão uma abelha. Queria muito sentir a picada, a dor de que tanto as outras crianças falavam. Apertou-a bem fechada na mão, espremeu-a, encolheu os ombros, cerrou os olhos, e sentiu. Deliciosamente sentiu a queimadura. Só largou quando o ardor terminou. E observou, repentinamente entristecida, o bicho cair morto no chão. Involuntariamente, matou o rival na competição ao sugar-lhe o veneno. Não achou piada ao inchaço e à vermelhidão que se seguiram. Mas, finalmente, pôde dizer : “Sei o que é a picada de uma abelha”. Odeia o odor a ignorância. Mesmo na dor. Pena a culpa a ter abraçado no momento em que , pasma, se apercebeu ter causado a morte ao insecto. É sempre assim. Quando deseja muito algo, esse algo acaba por não resistir à força do seu intento: é uma assassina de tudo o que é intenso."
(Conceição Sousa in "Tala, enquanto cura e nasce. Porque o milagre é acreditar.")
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