Capítulo 23
Vejo-a: a felicidade suprema , mesmo ali (alcançável) , diante de mim.
Palpo-a , fugidia (contrariada), diante de mim.
Estendo-lhe a mão – que não pega – diante de mim.
Tudo ali: diante de mim.
Vejo-a: a felicidade suprema , mesmo ali (alcançável) , diante de mim.
Palpo-a , fugidia (contrariada), diante de mim.
Estendo-lhe a mão – que não pega – diante de mim.
Tudo ali: diante de mim.
A um curtíssimo (tangível) passo, diante de mim. Diante de mim.
Olho-a…a felicidade: êxtase. Ali . Lado a lado.
A felicidade que dança a meu lado; mas não comigo.
A felicidade que mexe, enlouquecida, a meu lado ; mas não me mexe.
Nem sequer se deixa ser tocada.
A felicidade, a minha felicidade, ali, lado a lado.
Ai!,como a quero!
E ela mantêm-se, ali, firme: a dançar, a mexer, a sorrir. Triste.
Diante de mim, lado a lado.
Não me olha nos olhos, mas está ali.
Não sai. Permanece.
Não me fala ao rosto, mas fala ali – ecoa: gosto.
Grita eufórica. Esbraceja.
Não sai: mantém-se ali. E convida…
E convida – meticulosa e calculadamente convida. Sem sair dali.
E, sem sair dali, nega. Nega e corre. Nega e sobe. Nega e baixa.
Nega e fica.
Nem sequer me olha, mas fica.
E diz “já”, mas faz “nunca”.
Ai!, que dor. Ai!, que luta.
E ,de repente , vira ; mas não olha.
Passa adiante e não olha.
A felicidade – no cair da não escrita folha.
Em lágrimas, e mais uma vez assistida pela chapa do carro, Maria termina de escrever estas linhas no seu caderno de mão, o amigo de sempre, o que é constante, em todo o lado presente. O alvorecer. O captar em objectiva flashes da noite acabada. O desejo de tocar. Estar próximo, estar perto, estar junto : querer muito. E não conseguir tocar. A dada altura prefere voltar ao de sempre, ao que não desfaz o coração: à solidão. Impressionante a força que a impele para aquele ser, para aquele corpo. Irresistível. Medonho e atroz o desejo que a consome por dentro, mesmo quando dorme – principalmente quando dorme. E ele está ali, tão próximo. E ela morde-se interiormente, sente-se íman; mas incapaz de o tocar.
- É agora, Maria. Agarra-o!
Agarrei mesmo. Apoderei-me do seu abdómen. Entrelacei lá o meu braço, na parte que consegui alcançar. E firmei aí. E dancei aí. Nunca tal me aconteceu: esta vontade louca de me apoderar de um corpo. De o rasgar sem dó. De o consumir que nem uma felina. De o saborear sem me fartar. Oh!…Só me apetece enroscar… Sonhei por breves instantes, mas sonhei. Toquei. Que bom. Que calor bom. Toda a minha pele se eriçou. O cabelo encrespou-se. Calafrios de prazer. Toda uma vida vivida em breves segundos. Amo-te, amor. Senti-te. Desta vez, senti-te a valer. Amo-te, amor.
- Viste? Como ele depressa te largou? Gostou, sorriu, lançou os olhos para o ar, envergonhou-se e largou. Mais uma vez, fugiu. Que vais fazer agora, Maria? Quer-te, mas foge. Pressinto que tão cedo não o tenhas. Pressinto que este cedo seja , na verdade, de nunca ceder.
- Quem te disse? Não me conheces. Deixa-me apanhá-lo a jeito e logo vês. Repara como me olha quando não o estou a encarar. É nos momentos de intersecção das rectas dos nossos estares fronteiros que sinto que me ama. Algo o pára, mas ama-me. Estou certa disso. Não consegue segurar o seu olhar nos meus olhos. Foge amedrontado; sai disparado. É de rompantes. E eu gosto deste jeito repentino de mudar de direcção. Sou importante para ele. Sinto que sou. Creio que, se nada houvesse em redor, era amor o que estaríamos a fazer: era amor de paixão. Sem mais: amor.
(...)
(Conceição Sousa in "Tala, enquanto cura e nasce. Porque o milagre é acreditar.")
Olho-a…a felicidade: êxtase. Ali . Lado a lado.
A felicidade que dança a meu lado; mas não comigo.
A felicidade que mexe, enlouquecida, a meu lado ; mas não me mexe.
Nem sequer se deixa ser tocada.
A felicidade, a minha felicidade, ali, lado a lado.
Ai!,como a quero!
E ela mantêm-se, ali, firme: a dançar, a mexer, a sorrir. Triste.
Diante de mim, lado a lado.
Não me olha nos olhos, mas está ali.
Não sai. Permanece.
Não me fala ao rosto, mas fala ali – ecoa: gosto.
Grita eufórica. Esbraceja.
Não sai: mantém-se ali. E convida…
E convida – meticulosa e calculadamente convida. Sem sair dali.
E, sem sair dali, nega. Nega e corre. Nega e sobe. Nega e baixa.
Nega e fica.
Nem sequer me olha, mas fica.
E diz “já”, mas faz “nunca”.
Ai!, que dor. Ai!, que luta.
E ,de repente , vira ; mas não olha.
Passa adiante e não olha.
A felicidade – no cair da não escrita folha.
Em lágrimas, e mais uma vez assistida pela chapa do carro, Maria termina de escrever estas linhas no seu caderno de mão, o amigo de sempre, o que é constante, em todo o lado presente. O alvorecer. O captar em objectiva flashes da noite acabada. O desejo de tocar. Estar próximo, estar perto, estar junto : querer muito. E não conseguir tocar. A dada altura prefere voltar ao de sempre, ao que não desfaz o coração: à solidão. Impressionante a força que a impele para aquele ser, para aquele corpo. Irresistível. Medonho e atroz o desejo que a consome por dentro, mesmo quando dorme – principalmente quando dorme. E ele está ali, tão próximo. E ela morde-se interiormente, sente-se íman; mas incapaz de o tocar.
- É agora, Maria. Agarra-o!
Agarrei mesmo. Apoderei-me do seu abdómen. Entrelacei lá o meu braço, na parte que consegui alcançar. E firmei aí. E dancei aí. Nunca tal me aconteceu: esta vontade louca de me apoderar de um corpo. De o rasgar sem dó. De o consumir que nem uma felina. De o saborear sem me fartar. Oh!…Só me apetece enroscar… Sonhei por breves instantes, mas sonhei. Toquei. Que bom. Que calor bom. Toda a minha pele se eriçou. O cabelo encrespou-se. Calafrios de prazer. Toda uma vida vivida em breves segundos. Amo-te, amor. Senti-te. Desta vez, senti-te a valer. Amo-te, amor.
- Viste? Como ele depressa te largou? Gostou, sorriu, lançou os olhos para o ar, envergonhou-se e largou. Mais uma vez, fugiu. Que vais fazer agora, Maria? Quer-te, mas foge. Pressinto que tão cedo não o tenhas. Pressinto que este cedo seja , na verdade, de nunca ceder.
- Quem te disse? Não me conheces. Deixa-me apanhá-lo a jeito e logo vês. Repara como me olha quando não o estou a encarar. É nos momentos de intersecção das rectas dos nossos estares fronteiros que sinto que me ama. Algo o pára, mas ama-me. Estou certa disso. Não consegue segurar o seu olhar nos meus olhos. Foge amedrontado; sai disparado. É de rompantes. E eu gosto deste jeito repentino de mudar de direcção. Sou importante para ele. Sinto que sou. Creio que, se nada houvesse em redor, era amor o que estaríamos a fazer: era amor de paixão. Sem mais: amor.
(...)
(Conceição Sousa in "Tala, enquanto cura e nasce. Porque o milagre é acreditar.")
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