E se as sapatilhas não estivessem furadas, não terias atravessado o alcatrão só com as meias negras nos pés, não terias entrado na loja; e se tivesses encontrado um par que te servisse, não terias demorado cerca de 20 minutos, e eu não te teria telefonado, já entediada de tanto aguardar no
outro lado da avenida à beira-mar, teríamos seguido o nosso caminho e estaríamos a lanchar, algures, com os nossos amigos; e se te tivesse telefonado mais tarde, não terias saído naquela hora, ainda com as meias pretas nos pés, não terias calçado novamente as sapatilhas furadas e não teríamos naquele segundo continuado o nosso trajecto; e se não tivesses sacudido a areia das sapatilhas, teríamos ido ao encontro da nossa gente, três minutos mais cedo, e teríamos alcançado a tempo o bêbado ( que fazia 32 anos naquele dia - e, por isso, exagerou na bebida (dito por ele), embora se percebesse que era hábito diário...), e o homem não teria caído , desamparado, de uma altura de dois metros, e a bicicleta não lhe teria embatido, seguidamente, nas costas - nem teríamos chamado o INEM, nem o homem teria tido o auxílio das talas e das ligas, e da tua força, dentro das tuas sapatilhas rotas ( que abraçaram as dele, fora dos pés - o terceiro elemento a cair de dois metros de altura), para ajudar as duas doutoras magrinhas a encaixá-lo na ambulância. As tuas meias sujas esperam que as meias bêbadas e traumatizadas dele estejam bem.
(Conceição Sousa)
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