Número total de visualizações de páginas

sábado, 3 de novembro de 2012

Em tempos viciou-se num estudo desregrado,
uma sede de conhecimento de tudo,
e tudo o resto era tempo desocupado:
o sono,
o alimento,
o convívio,
do corpo o movimento.
Esticou ao limite a sua sede,
o seu estudo,
o seu vício –
um matrimónio intensivo de duas décadas
( a caminho de três),
e quase, no seu voo p’ra lá do sol,
p’ra lá da lua,
por lá ficou.
Ausentou-se do aqui,
do agora,
de si,
e a sedenta já não era ela,
era a outra,
a acelerada –
e a de lá queria voltar.
De lá, via um corpo vazio,
uma máquina desconectada a comandar,
uma fenda desalojada de luz,
uma existência fragmentada:
o intelecto liberto da matéria –
e a matéria com vida própria,
o sistema parassimpático a controlar.
À velocidade da luz, o pensamento foi
naquela viagem,
de mão dada com o vento,
a sorrir.
Enquanto lá no alto flutuava,
perdeu-se da dor, da tonicidade, do frio e do calor,
dos aromas, e do sabor, do falar e do ouvir;
perdeu-se da sensação, do arrepio e do amor.
O nada ocupou-lhe o espaço , leveza,
e a gravidade do solo quebrou o laço:
a outra não conseguia cair.
A do corpo estendeu-lhe a mão,
o mais que pôde,
e ficou ali, quase podre, a tocar nas estrelas de um céu escuro,
com os músculos do ombro em cãibras, de tão estirados
no tempo de um crepúsculo longo,
na ausência de um sopro sem fôlego.
Aí, então, a do voo lançou os olhos na direcção do fundo,
numa fracção de segundo,
e viu a mão suada a querer desistir,
deixou cair a lágrima,
sabia que era hora de partir,
segurou na carne em espasmos, bem firme
naquela queda.
Abandonou a sede, entrou no corpo,
e aí ficou, muito sossegada.
 Jurou não voar mais,
pelo menos não tão alto,
e respeitar de novo o tempo,
ao ocupá-lo com coisas banais:
o sono, do corpo o movimento,
o convívio e o alimento.
Pediu ao vento que a visitasse,
de quando em vez, com as estações,
e lhe relembrasse o tempo do voo,
a chuva de cometas, as constelações.
E tudo o que na vida agora faz
é segredar ao vento que deixe
a saudade beijá-la,
a saudade que a soube capaz
de um voo distante,
da sede de mais conhecimento adiante.

 (Conceição Sousa)

 

Sem comentários:

Enviar um comentário