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domingo, 4 de novembro de 2012

Um burburinho cosmopolita;
tons e traços sui generis, diferentes das gentes dali,
habituais nas gentes de lá;
dialectos, ritmos de discurso, pausas e entoações variados,
atrás e à frente das máquinas fotográficas, e dos telemóveis
que ofuscam a visão em contacto com o sol quente.
Na sombra, estendido no chão recém calcetado de idade média,
um homem (de pele bastante enrugada, cabelos grisalhos 
e quase cego de um olho) devora, junto a um outro cão abandonado,
os restos da abundância consumista, as lascas dos ossos
colocadas no lixo pelo negócio que ali se faz. É sangue?
É sangue a escorrer-lhe da boca; mas continua a saborear a vida,
frenético, à pressa, com receio que alguém de passagem o impeça
do seu orgástico prazer: comer.
E as moscas continuam a rodear o lixo: o humano também.
- Ó mãe, posso dar uma moedinha?
A mãe não responde. Está em estado de choque. Não sabe como agir.
Mecanicamente leva a mão ao porta-moedas e entrega uma moeda à filha.
O homem estende vigorosamente a mão.
O cão aproxima-se para uma festinha ( e a menina afaga-o).
Mas a mãe não afaga o homem, nem a menina.
A mãe continua a andar, são as pernas que a levam,
o coração ( o de mentira) ficou lá, com aquele homem,
e aquele cão, e o pensamento também. Mas a hipocrisia não.
A hipocrisia mantém-na a andar – sem reacção.
Não sabe o que há-de fazer. Um farrapo humano ali no chão,
sujo, com as moscas por companhia (tantas!), e um farrapo animal não civilizado acompanhado ( e afagado).
Um outro mundo que veio ( também ele) visitar a cidade-berço,
e ela que o sabe ali –
e que não foi capaz de lhe estender a mão.
Ela sabe-o ali; e todos quantos por ele passam e o sabem,
Sabem que este texto é o que ela conseguiu fazer: a reacção.
Haverá um número S.O.S. para farrapos animais? Os humanos também.
Ironia das ironias: hoje é dia mundial do animal.

 (Conceição Sousa)

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